“6. ICMS GARANTIDO INTEGRAL
6.1. Antecedentes históricos
6.1.1. O ICMS Garantido
Em 1997, o Estado de Mato Grosso implantou modelo de antecipação parcial do lançamento do imposto pertinente às operações internas subseqüentes, em relação a mercadorias adquiridas para revenda em outras unidades federadas. Por essa modalidade, o Estado lança, para o contribuinte recolher em prazo fixado, o valor equivalente ao que resultar da aplicação, sobre o valor da operação, do percentual correspondente à diferença entre a alíquota fixada no seu território para a mercadoria e aquela que incidiu na aquisição interestadual, sem qualquer agregação de margem de lucro.
O modelo, que não encerra a cadeia tributária, colou-se aos regimes de apuração normal e de estimativa, convertendo-se os valores antecipados em crédito no período em que ocorrer o efetivo recolhimento.
6.1.2. O nascimento do ICMS Garantido Integral
Ao final de 2001, formou-se um movimento reivindicatório no sentido de a Secretaria de Estado de Fazenda implantar, no que tange ao ICMS, modelo de cobrança similar ao ICMS Garantido, com agregação de margem de lucro e encerramento da cadeia tributária em relação à mercadoria adquirida fora do Estado para revenda.
Representados por entidades como FOREMAT e FECOMÉRCIO, contribuintes mato-grossenses dos setores de atacado e varejo reclamavam da concorrência desleal patrocinada pelos que se mantinham na informalidade, afirmando que, com o novo formato, todos seriam tributados igualmente. Ademais, o modelo proporcionaria a simplificação dos procedimentos atinentes à emissão de documentos fiscais e à respectiva escrituração fiscal, concorrendo para a redução de custos na gestão empresarial.
Porém, as divergências na fixação dos percentuais de margem de lucro fizeram com que o modelo só viesse a ser implantado em 30 de abril de 2003, para vigência a partir de 1o de maio daquele ano, ainda assim, em relação a único setor: autopeças.
No entanto, os técnicos da Secretaria de Estado de Fazenda repudiavam os percentuais indicados pelos contribuintes. Estes, todavia, alegavam que, com a mitigação, os contribuintes informais seriam atraídos para a formalidade, ampliando as bases tributárias, de sorte a não haver perda de receitas.
Por política tributária governamental, implantou-se o modelo acatando os percentuais reduzidos, condicionada a respectiva manutenção à elevação da arrecadação da receita pública.
Abrem-se, aqui, parênteses para destacar a efetiva participação dos contribuintes na construção do regramento tributário, em adição a tantos outros existentes exemplos de integração, inclusive àqueles arrolados no item 2.
Ocorre que, ao longo de 2003, o modelo foi estendido a outros setores, de tal forma que, até dezembro daquele ano, quase que a totalidade dos contribuintes atacadistas e varejistas estavam nele incluídos.
Em reação a desvios detectados, alguns segmentos da indústria e serviços, a partir de fevereiro de 2004, também foram submetidos à cobrança do ICMS Garantido Integral, exclusivamente, em relação às mercadorias que adquirissem fora do Estado para revenda.
6.2. A fundamentação legal do ICMS Garantido Integral
O esteio necessário para a construção do modelo está delineado na Constituição Federal que, no § 7o do artigo 150, acrescentado pela Emenda Constitucional n° 3, de 17 de março de 1993, anuncia:
Art. 150
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§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição de quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (parágrafo acrescentado pelo EC n° 3/93)
Somando-se ao Texto constitucional, a Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, preceitua em seus artigos 6o e 7o:
Art. 6º Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. (redação dada pela LC n° 114/02)
§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.
§ 2º A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado. (redação dada pela LC n° 114/02)
Art. 7º Para efeito de exigência do imposto por substituição tributária, inclui-se, também, como fato gerador do imposto, a entrada de mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado.
Respaldada pelos atos de hierarquia superior, a já invocada Lei n° 7.098/98, que consolida normas sobre o ICMS neste Estado, em seu artigo 3o, §§ 3o e 4o, oferece o suporte legal para a cobrança antecipada do imposto.
Art. 3o
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§ 3º Poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, conforme disposto na legislação tributária, relativamente a determinadas operações, prestações, atividades ou categorias de contribuintes. (redação dada pela Lei nº 8.628/06)
§ 4º A antecipação do recolhimento de que trata o parágrafo anterior poderá ser exigida na entrada de mercadorias no território mato-grossense, inclusive quando se tratar de mercadoria a vender no Estado sem destinatário certo.
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Por conseguinte, dado o permissivo contido no § 3o transcrito, não remanesce dúvida quanto ao assentamento legal do modelo implantado: nos seus primórdios, com a edição do Decreto n° 463, de 30 de abril de 2003, e outros que o sucederam; hoje, nos moldes do Decreto n° 512, de 17 de julho de 2007, e subseqüentes.
Em outras palavras: a implementação do ICMS Garantido Integral, via decreto, está conformada com a Carta constitucional e com os diplomas legais vigentes, porquanto ter sido remetida à legislação tributária a sua fixação, nos exatos termos autorizados pelo artigo 99 do Código Tributário Nacional:
Art. 99 O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com a observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.
Em suma, os Decretos editados para implantação e normatização da exigência do imposto antecipado, no formato do ICMS Garantido Integral, têm esteio na Constituição Federal, na LC n° 87/96, na Lei (estadual) n° 7.098/98 e não excedem aos limites fixados no Código Tributário Nacional.
6.3. Os contornos do ICMS Garantido Integral no RICMS
6.3.1. A sistematização do modelo
No primeiro momento, o ICMS Garantido Integral foi inserido nas Disposições Transitórias do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 1.944, caracterizando-se pela transitoriedade da sua vigência. A partir de 1o de janeiro de 2006, porém, com a revogação do § 7o do artigo 133 das Disposições Transitórias do aludido Regulamento, nos termos do Decreto n° 6.935, de 22 de dezembro de 2005, o modelo passou a vigorar por prazo indeterminado.
Hoje, a matéria encontra-se disciplinada nos artigos 435-O-1 a 435-O-23 das disposições permanentes do Regulamento do ICMS, conforme redação conferida pelo Decreto n° 512, de 17 de julho de 2007, e alterações.
6.3.2. Os fundamentos da alteração na sistematização
A mudança introduzida não consistiu em mera alteração topográfica, tratando-se, sim, de revisão conceitual. Ao desenho, cujos percentuais de margem de lucro nasceram mitigados, foi conferido caráter provisório, passível, inclusive, de supressão. A vigência por prazo indeterminado não modificou esse caráter transitório, já que permaneceu o arrolamento dos percentuais mitigados de margem de lucro. Dessa forma, o instituto foi mantido nas disposições próprias do Regulamento, quais sejam nas Disposições Transitórias.
Ao se reconhecer efetividade ao ICMS Garantido Integral, enquanto instituto consagrado na legislação tributária mato-grossense, alterou-se também o critério para previsão dos percentuais de margem de lucro concernentes aos diversos segmentos econômicos, fixando-se aqueles que praticavam os contribuintes quando da implantação do modelo, bem como contemplando a mitigação com o caráter que, de fato, tem: benefício fiscal.
Em corroboração ao asseverado, é de se citar o disposto no artigo 36 do Anexo VIII do RICMS que remete a formação da base de cálculo do ICMS devido por substituição tributária às disposições do Anexo XI, assegurando a redução na forma estampada. Aponta-se que o mencionado Anexo trata, exatamente, das hipóteses de redução de base de cálculo concedidas em relação ao ICMS; em outras palavras, arrola espécie de benefício fiscal.
6.3.3. O benefício fiscal condicionado
Contudo, o novo formato, em momento algum, consistiu em supressão dos percentuais mitigados que continuaram a existir, a princípio, de forma incondicionada (no período de 9 de agosto de 2007 a 31 de janeiro de 2008), por força do Decreto n° 607, de 9 de agosto de 2007 e alterações. Todavia, a partir de 1o de fevereiro de 2008, a aplicação da mitigação ficou restrita aos limites estampados no § 1o do artigo 1o do Anexo XI do RICMS, observada a redação decorrente do Decreto n° 512/2007.
Ora, a concessão de benefício fiscal é matéria encartada na fixação da política tributária do Estado e não há impedimento a que sua aplicação seja condicionada a atendimento desta ou daquela condição. No caso concreto, tais condições são as seguintes: a pontualidade do contribuinte no cumprimento de suas obrigações tributárias e a regularidade da operação/prestação praticada.
Assim, não se há falar em afronta ao inciso I do artigo 150 da Constituição Federal, pois não se majorou a base de cálculo do ICMS antecipado, exigido no formato do ICMS Garantido Integral. Os percentuais agora fixados atendem aqueles efetivamente praticados pelos contribuintes quando da implantação provisória do modelo, mantendo-se a mitigação antes adotada, na forma de benefício fiscal condicionado.
6.3.4. Ausência de caráter sancionatório dos percentuais de margem de lucro decorrentes do Decreto n° 512/2007
Ao reeditar os contornos do ICMS Garantido Integral, fixando, no Anexo XI do RICMS, os percentuais de margem de lucro aplicáveis aos diversos segmentos econômicos nos patamares praticados quando da construção do modelo, em 2002/2003, o Estado de Mato Grosso, repita-se, apenas privilegiou a efetividade do tratamento, antes transitório, possibilitando a mitigação na forma de benefício fiscal condicionado.
São inúmeros os exemplos previstos na legislação tributária em que a fruição de isenção, redução de base de cálculo, créditos outorgados ou presumidos está adstrita ao atendimento desta ou daquela condição. Para ficar no campo da redução de base de cálculo, cita-se a hipótese do artigo 1o do Anexo VIII do RICMS:
Art. 1o A base de cálculo do ICMS nas saídas de vestuários, móveis, motores, máquinas, aparelhos e veículos usados corresponderá aos seguintes percentuais do valor da operação:
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§ 1o O benefício fica condicionado a que:
I – a entrada não tenha sido onerada pelo imposto;
II – a entrada e a saída sejam comprovadas mediante emissão de documento fiscal próprio;
III – as operações estejam regularmente escrituradas.
Nota-se que, no exemplo dado, a regularidade da operação também é condição para a aplicação da redução da base de cálculo autorizada.
Ademais, a condição explicitada para a mitigação do percentual de margem de lucro apenas materializa a operacionalização da regra geral anunciada no inciso VI do artigo 577 do RICMS:
Art. 577 A Certidão Negativa de débito fiscal será exigida nos seguintes casos:
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VI – obtenção de favores fiscais de qualquer natureza, inclusive tratamentos diferenciados.
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Corroborando a inexistência de caráter sancionatório na medida implementada, é de se registrar que as sanções por descumprimento de obrigação tributária estão catalogadas no artigo 45 da Lei n° 7.098/98. Assim, se houver irregularidade na operação praticada pelo contribuinte (motivo de impedimento de fruição da mitigação), serão observadas as disposições do referido preceito, bem como apurado o valor do imposto sem a aplicação da mitigação.
6.4. O poder-dever da Administração Tributária de exigir o pagamento do imposto
A Lei n° 7.098/98, em seu artigo 17, inciso XI, relaciona, dentre as obrigações do contribuinte, o pagamento do imposto. Eis o comando do aludido preceito:
Art. 17 São obrigações do contribuinte:
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XI – pagar o imposto devido na forma e prazos previstos no regulamento.”