Órgão Consultivo

Categoria: Informações em Processos de Consulta
Número:027/2025 - UDCR/UNERC
Data da Aprovação:03/25/2025
Assunto:ICMS
Solidariedade


Nota Explicativa :
Nota: " Os documentos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os textos publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais."

Texto
NOTA TÉCNICA 027/2025 – UDCR/UNERC

Assunto:ICMS - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA FUNDADA NO INTERESSE COMUM DOS AGENTES – ART. 124, INCISO I, DO CTN - SENTIDO E ALCANCE.

A presente Nota Técnica objetiva fornecer orientação quanto à interpretação do art. 124, inciso I, do Código Tributário Nacional, nos termos do art. 56, inciso VIII, do Regimento Interno da Secretaria de Estado de Fazenda, aprovado pelo Decreto nº 729/2024.

A Nota fará a análise do sentido e alcance da norma jurídica extraída do art. 124, inciso I, do Código Tributário Nacional, que trata da responsabilidade solidária por interesse comum no fato gerador da obrigação principal. Para isso, busca apoio no texto normativo, na doutrina e na jurisprudência, reunindo e delimitando os principais entendimentos sobre a matéria.

Ao final, o estudo detalhará as hipóteses em que duas ou mais pessoas são consideradas responsáveis solidárias pelo pagamento do crédito tributário, por força do vínculo mantido entre os responsáveis, estabelecido pelo interesse comum no fato gerador do tributo.

1. DO INTERESSE COMUM – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Código Tributário Nacional trata da obrigação tributária em seu Título II, no âmbito do qual reserva o Capítulo IV para a definição da sujeição passiva da relação jurídico-tributária. Na Seção II do referido capítulo, artigos 124 e 125, são apresentadas as regras que disciplinam a solidariedade passiva da obrigação. Dispõem os referidos artigos:

Interessa aqui a correta compreensão da responsabilidade solidária estabelecida entre sujeitos vinculados pelo interesse comum no fato gerador da obrigação principal, definida no art. 124, I, do Código Tributário Nacional. A responsabilidade solidária prevista no art. 124, inciso I, do CTN, é uma das três formas de responsabilização de terceiros prescritas pelo Código. A doutrina nomeia essa modalidade de responsabilização de solidariedade natural ou de fato.

Nela, o Código não enumera de forma circunstanciada as diversas regras matrizes de responsabilidade tributária, como o fez nos arts. 130 a 135, e nem confere ao ente titular da competência tributária a sua delimitação, como o fez nos arts. 124, II, e 128 A Nota Técnica nº 026/2025-UDCR/UNERC descreve em detalhes os fundamentos e pressupostos de cada uma das três formas de responsabilização tributária de terceiros previstas no Código Tributário Nacional.. Na solidariedade natural, o CTN institui ele mesmo a regra matriz, mas o faz por meio de textualização normativa aberta, valendo-se de conceitos jurídicos indeterminados (“interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”).

Os conceitos jurídicos indeterminados são construções normativas que empregam termos vagos, que dão ao intérprete margem relevante para o preenchimento de seu sentido. É o que ocorre no emprego do termo “interesse comum” Discorrendo sobre a solidariedade de fato, Hugo de Brito Machado afirma que “a existência de interesse comum é situação que somente em cada caso pode ser examinada. A solidariedade, em tais casos, independe de previsão legal. ” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora Juspodvim, 2024. p. 163).

É consenso que a expressão “interesse comum” abrange as pessoas que realizam em conjunto a hipótese necessária e suficiente para o nascimento da obrigação tributária, especialmente quando o tipo tributário representa uma situação jurídica sob domínio comum. É o caso dos tributos que incidem sobre a propriedade, domínio ou posse a qualquer título. No caso do IPVA, por exemplo, seria a hipótese de condômino de veículo automotor. Note-se que, fosse apenas esse o sentido possível do termo, estariam no polo passivo da obrigação somente contribuintes, sem terceiros responsáveis.

Entretanto, quisesse o Código se limitar a alcançar somente contribuintes, teria usado no art. 124, inciso I, a mesma redação que usara no art. 121, inciso I, ao definir a figura do contribuinte. Ou seja, teria dito que são responsáveis solidários todos aqueles que tenham “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Ou, de forma ainda mais direta e unívoca, bastaria prescrever a solidariedade entre as pessoas eleitas pela lei como contribuintes do tributo.

Da mesma forma, a opção do legislador pela expressão “interesse comum” revela que a responsabilidade ali versada não alcança somente pessoas que comungam de idêntica situação jurídica. “Interesse” certamente é conceito mais amplo que “direito”. Direito designa uma situação jurídica ativa, reconhecida pelo Direito Positivo, que dá a seu titular a faculdade de exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma prestação de fazer, não fazer ou dar (no caso dos direitos subjetivos), ou o poder de intervir na esfera jurídica de um terceiro, independentemente da sua vontade (no caso dos direitos potestativos).

A expressão “interesse”, por outro lado, constitui conceito mais amplo. Não cuida necessariamente de uma situação jurídica reconhecida pelo Direito. É fenômeno pré-jurídico, que pode ou não ser eleito pela ordem normativa como fato jurídico, produtor de efeitos jurídicos. À luz dessa distinção, afastam-se interpretações da expressão “interesse comum” que a reduzem às hipóteses de “direito comum”, “situação jurídica comum” ou “realização conjunta do fato gerador”, mediante condomínio de determinada situação jurídica.

Contudo, a existência de simples interesse econômico na realização do fato gerador não é suficiente para alocar o agente no polo passivo da obrigação tributária. Atribuir responsabilidade a todos aqueles interessados economicamente no fato gerador corromperia a regra matriz de incidência tributária, trazendo para a relação jurídico-tributária agentes não eleitos pela legislação, mesmo em contextos de estrita legalidade.

Assim, por exemplo, se a lei estabelece que é contribuinte do ICMS “qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria” Cf. art. 4º, da Lei Complementar Federal nº 87/96., o simples interesse econômico do destinatário da mercadoria em relação à operação não o torna responsável pelo pagamento do imposto.

Entretanto, em casos nos quais duas ou mais pessoas, em conluio, atuam para desfigurar a relação jurídico-tributária, a existência de interesse comum em agir à margem da lei, obter benefício econômico e lesar o erário atrai a incidência do artigo 124, I, do CTN, ficando os coautores do ilícito solidariamente responsáveis pelo crédito tributário que se buscou sonegar. Desse modo, não só a realização conjunta do fato gerador faz nascer a solidariedade passiva disposta no dispositivo, mas também o interesse comum na prática de ilícitos destinados à dissimulação da obrigação tributária.

É o que será demonstrado a seguir.

2. DA EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA - DA TEORIA DO INTERESSE JURÍDICO, DO CONDOMÍNIO OU DA REALIZAÇÃO CONJUNTA DO FATO GERADOR
2.1 Da teoria da realização conjunta do fato gerador

À luz do art. 124, I, do CTN, algumas Administrações Tributárias editaram lançamentos tributários reconhecendo solidariedade passiva entre contribuintes e terceiros interessados no fato gerador da obrigação principal. Em muitos casos, o interesse comum existente entre contribuintes e responsáveis se limitava ao aspecto econômico, ou seja, manifestava-se pelo interesse dos agentes em ver realizada e bem-sucedida determinada operação comercial, com os ganhos naturais do negócio.

Nesse contexto, em um primeiro grupo de casos, reconheceu-se entre pessoas jurídicas integrantes de um mesmo grupo econômicoresponsabilidade solidária pelo pagamento do Imposto Sobre Serviços sobre operações de arrendamento mercantil (leasing financeiro). Assim, embora o serviço tenha sido prestado por empresa dedicada a operações de leasing, reconheceu-se a responsabilidade solidária da instituição financeira integrante do mesmo grupo econômico pelo pagamento do ISS incidente sobre a prestação.

Levados os casos a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (por sua Primeira Turma, principalmente), o Tribunal decidiu repetidamente que o simples pertencimento ao mesmo grupo econômico da empresa arrendadora não caracteriza o interesse comum necessário para estabelecer o vínculo da solidariedade tributária, nos termos do art. 124, inciso I, do CTN. Nesses julgados, o Tribunal destacou que o interesse comum qualificado pela lei “não há de ser o interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas o interesse jurídico, vinculado à atuação comum ou conjunta da situação que constitui o fato imponível.” STJ, Primeira Turma, Recurso Especial nº 884.845/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 05/02/2009, publicado no DJe em 18/02/2009. Reconheceu o STJ que a participação de pessoas jurídicas em um mesmo grupo econômico não afasta sua autonomia jurídica e patrimonial, e que elas permanecem como entidades distintas, com direitos e deveres próprios.

Em caso congênere, afirmou o STJ que “o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. ” STJ, Primeira Turma, REsp 859.616/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/09/2007, publicado no DJe em 15/10/2007. Citou-se doutrina do Prof. Paulo de Barros (grifos do acórdão), nos seguintes termos: E, novamente, reconheceu o STJ em outro precedente que a existência de grupo econômico, por si só, “não basta para caracterizar a responsabilidade solidária prevista no art. 124 do CTN, exigindo-se, como elemento essencial e indispensável, que haja a induvidosa participação de mais de uma empresa na conformação do fato gerador, sem o que se estaria implantando a solidariedade automática, imediata e geral. ” STJ, Primeira Turma, AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1035029/SP (2016/0332160-0), Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, Sessão Virtual de 21/05/2019 a 27/05/2019.

Na direção dessas decisões da Primeira Turma do STJ, duas conclusões passaram a ser repetidas: 1) é o interesse jurídico, manifestado na realização conjunta do fato gerador, e não o econômico, manifestado no proveito financeiro da operação, que caracteriza o interesse comum para fins do art. 124, inciso I, do CTN; 2) nos impostos cujo fato gerador constitua negócio bilateral, a solidariedade se instala apenas entre agentes que estejam alocados no mesmo polo da relação jurídica.

Porém, tais construções jurídicas foram desenvolvidas para tratar de operações e prestações promovidas nos limites da legalidade, sem ocorrência de fraudes e outros ilícitos tributários praticados com o objetivo de dissimular ou desfigurar os elementos da obrigação tributária. Os julgamentos e as construções neles definidas não consideraram hipóteses em que dois ou mais agentes se unem para a prática conjunta de ilícitos tributários, com interesse comum de sonegar tributos.

Para esse outro grupo de casos, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou de forma distinta:
Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar a expressão “interesse comum” definida no art. 124, I, do CTN, enfrenta de forma distinta as situações que envolvem negócios jurídicos lícitos e aquelas que traduzem fraudes e outros ilícitos que buscam dissimular no todo ou em parte a obrigação tributária.

Diante de operações promovidas dentro da estrita legalidade, exige o Tribunal Superior, para a responsabilização solidária, que os responsáveis realizem em conjunto o fato gerador da imposição tributária. E, caso se trate de operação marcada pela bilateralidade, exige ainda que os responsáveis ocupem o mesmo polo da relação jurídica adjacente ao fato gerador, polo esse eleito pela lei para sofrer a incidência tributária.

2.2 Da responsabilidade solidária decorrente da prática conjunta de fraudes e outros ilícitos tributários.

Por outro lado, nos casos que envolvem fraudes e outros ilícitos praticados em coautoria, entende o STJ que o interesse comum dos agentes em agir à margem da lei, obter benefícios financeiros indevidos e lesar o erário (que devem ser objeto de prova) enquadra-se na hipótese definida no art. 124, I, do CTN, deflagrando a responsabilidade solidária dos que atuaram em conluio.

Também a doutrina, atenta ao problema das fraudes tributárias, especialmente aquelas estruturadas, fundadas em esquemas complexos com diversos agentes, operações e dissimulações, passou a compreender que o instituto da responsabilidade solidária natural alcança não só coautores do fato gerador da obrigação principal, mas também os que praticam em conjunto o ilícito tributário destinado a desfigurar essa mesma obrigação. Destaca-se a manifestação de Paulo de Barros Carvalho:

Magister, p. 61-78, 2015 (original sem grifos)

Também fazendo distinção entre contextos de legalidade e de ilegalidade, manifesta-se Sacha Calmon Navarro Coelho:

Magister. p. 151 a 155.
(original sem grifos)

Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado, ao destacarem que a simples existência de grupo econômico não deflagra responsabilidade tributária solidária entre os integrantes do grupo, ressalva as ocorrências de fraude:

Naturalmente, os ilícitos tributários devem ser objeto de prova. Por essa razão é baixo o número de precedentes sobre o tema no Superior Tribunal de Justiça, considerando a impossibilidade de revisão de fatos e provas no âmbito da competência recursal do Tribunal (Enunciado n. 07 da Súmula do STJ). Não obstante, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais também encampam o entendimento de que a prática conjunta de ilícitos tributários caracteriza interesse comum para fins de responsabilização solidária. Eis recente manifestação da Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no julgamento do Agravo Regimental Cível 10133363720248110000:

No mesmo sentido, veja outra recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso:
Também a título de exemplo, veja-se ementa de decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
A Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio de sua Coordenação Geral de Tributação (Cosit), editou o Parecer Normativo COSIT/RFB nº 04/2018, por meio do qual expressa que a responsabilidade tributária solidária a que se refere o inciso I do art. 124 do CTN decorre de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou. In verbis:
O conjunto de excertos jurisprudenciais e doutrinários aqui apresentado não afasta a tese de que a responsabilidade solidária prevista no art. 124, I, do CTN, pressupõe que os responsáveis pratiquem conjuntamente o fato gerador da obrigação tributária, devendo estar no mesmo polo da relação jurídica, no caso de relações marcadas pela bilateralidade. Esse entendimento segue incólume. O que ora se põe em evidência é que os Tribunais (à luz da doutrina especializada) estão promovendo distinção (restrictive distinguishing O direito à distinção é corolário do princípio da igualdade. No processo de distinção, o operador do direito, ao identificar no caso sob análise particularidades que não estavam presentes nos casos que serviram de base para uma específica interpretação da norma, dá a esta tese interpretação restritiva, por entender que tais especificidades sugerem a não aplicação da tese jurídica outrora firmada - restrictive distinguishing. (Cf. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 10 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, v.2. pp. 490-494).) entre casos envolvendo situações lícitas e casos envolvendo fraudes estruturadas e outros ilícitos tributários.

Para a grande maioria dos casos, em que direitos e negócios jurídicos operam nos limites da legalidade, ou ao menos sob o manto da boa-fé dos envolvidos, permanece a aplicação da teoria do interesse jurídico e da realização conjunta do fato gerador. Por outro lado, comprovada a prática de fraude e de outros ilícitos com o objetivo de desfigurar a obrigação tributária e lesar o patrimônio público, tem-se que o conluio entre os agentes contra o Poder Público caracteriza inegável vínculo e interesse comum, autorizando a responsabilização solidária fundada no art. 124, inciso I, do CTN.

Entende-se, nos casos de coautoria de ilícitos tributários, que os agentes atuaram de forma coordenada como unidade organizacional, com interesse comum no empreendimento fraudulento, na obtenção de benefícios indevidos e na lesão ao Poder Público. A coautoria se manifesta tanto na prática conjunta de um mesmo ato ilícito (ilícito simples), como na distribuição de tarefas entre os agentes envolvidos para que o ilícito, como um todo, atinja o resultado esperado (fraudes estruturadas).

3. DOS ATOS ILÍCITOS QUE IMPLICAM RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS COAUTORES

Como se apontou, a jurisprudência e a doutrina reconhecem, à luz do art. 124, inciso I, do CTN, a responsabilidade solidária pelo crédito tributário inadimplido por sonegação, sempre que dois ou mais agentes atuem de forma coordenada, com o interesse comum de desfigurar a relação jurídico-tributária, mediante práticas ilícitas, obtendo vantagem econômica indevida em detrimento do patrimônio público.

Para fins de orientação, apresentam-se a seguir três espécies exemplificativas de violações da legislação que implicam responsabilidade solidária, quando praticadas em conjunto e com o mesmo interesse.

3.1 Evasão Fiscal

A primeira espécie é o ato ilícito, simples ou complexo, praticado pelos responsáveis para dissimular o fato gerador da obrigação tributária ou seus elementos constitutivos. O ato pode ser praticado, por exemplo, para esconder o verdadeiro contribuinte ou responsável de determinada obrigação, para depreciar artificialmente a base de cálculo do tributo, para simular lançamentos e permitir a escrituração de valores como créditos fiscais etc.

O ato conjunto pode ser único, oportunidade em que os coautores concorrem diretamente para a sua prática, ou pode ser complexo, modalidade em que o empreendimento ilícito é fragmentado em tarefas, que são então distribuídas entre os responsáveis. Nesta última hipótese, é importante que a atuação seja coordenada e que haja vínculo subjetivo entre os agentes, ou seja, é fundamental que os responsabilizados saibam estar participando de uma iniciativa comum e ilícita.

A atuação coordenada e o liame subjetivo não precisam estar demonstrados por meio de manifestações expressas dos coautores. Podem ser depreendidos, por exemplo, a partir da emissão de documentos fiscais inidôneos, da movimentação sem lastro de recursos financeiros, da documentação de negócios jurídicos sem base econômica etc. Esses atos podem relacionar diretamente os responsáveis, ou podem ser praticados mediante interposição encenada de terceiros, tudo no objetivo de desfigurar a obrigação tributária.

Para ilustrar, expõe-se hipótese de fraude estruturada para dissimular operação de compra e venda de grãos realizada entre produtor rural e empresa comercial exportadora, com pagamento mediante transferência eletrônica de recursos financeiros. Para sonegar a ocorrência da operação e, ao mesmo tempo, conferir lastro à mercadoria e aos recursos financeiros, os agentes acordam a prática dos seguintes ilícitos:

- Empresa interposta emite documento fiscal falso (NF-e) informando a venda (meramente simulada) dos grãos para empresa comercial exportadora;
- Empresa de transporte emite documento fiscal falso (CT-e) informando prestação de serviço de transporte (meramente simulada) dos grãos da empresa interposta para a destinatária;
- A empresa interposta, que emitiu anteriormente a NF-e falsa, expede instrumento falso de cessão de crédito em favor do produtor rural (vendedor real), por meio do qual simula a cessão do direito de exigir/receber os recursos financeiros pagos pela compradora. Na espécie, não houve efetiva cessão de crédito, mas simples lavratura de formulário com o objetivo de ocultar a causa real da transferência de recursos financeiros da compradora (comercial exportadora) para o vendedor dos grãos (produtor rural).

Note-se, no exemplo acima, que nenhum dos atos documentados ocorreu de fato: não houve operação de circulação de mercadoria entre a empresa interposta e a destinatária; não houve prestação de serviços de transporte; não houve cessão de crédito da empresa interposta para o produtor rural (o crédito nem sequer existia para ser cedido). São documentos fabricados exclusivamente para dar lastro à operação de entrada de mercadorias no estabelecimento da destinatária, e à operação de transferência de recursos financeiros da destinatária das mercadorias para o produtor rural.

Outra hipótese de responsabilização pelo crédito tributário em decorrência de ato ilícito é a declaração falsa de ocorrência de operação relativa à circulação de mercadoria ou prestação de serviços, mediante emissão de documentação fiscal inidônea, com o objetivo de lastrear a escrituração de créditos fiscais por parte de terceiros, apontados como adquirentes da operação ou prestação na documentação. A prática visa reduzir artificialmente o valor de impostos não cumulativos devidos pelo contribuinte, mediante compensação, no final do período de apuração, dos débitos do contribuinte com créditos escriturados, mas sem correspondência em operações ou prestações reais.

Em casos assim, a estrutura e a dinâmica da fraude já denunciam que os agentes agiram de forma coordenada, sabendo de sua participação no ato ilícito. Ainda que alguns deles possam não conhecer todos os detalhes da fraude, praticaram ato ilícito com o objetivo de obter vantagens econômicas indevidas, para si ou para outrem, em detrimento do erário. O interesse comum evidencia-se a partir da realização de determinados comportamentos ilícitos dos envolvidos, e não necessariamente de suas próprias declarações, manifestadas entre si ou para a Administração Tributária. Pela atuação coordenada e fundada no mesmo interesse (obter vantagem econômica indevida, para si ou para outrem, em detrimento do ente público), todos aqueles que concorrerem para a prática dos atos ilícitos respondem solidariamente pelo crédito tributário, nos termos do art. 124, inciso I, do CTN. Nesse sentido: STJ, Segunda Turma, AgInt no REsp 1.766.154 / SP, Rel. Min Mauro Campbell Marques, Sessão Virtual de 22/09/2020 a 28/09/2020.

São casos típicos de evasão fiscal.

3.2 Abuso da Personalidade Jurídica

A segunda espécie de ato contrário à lei que implica responsabilidade solidária daqueles que o praticaram é o abuso da personalidade jurídica, em que duas ou mais entidades, embora formalmente constituídas no registro civil como pessoas jurídicas autônomas, operam como ente único, com administração gerencial e operacional una e patrimônios sobrepostos.

Em casos tais, as deliberações em nível estratégico e operacional de cada entidade são tomadas por um único centro de decisão, que não considera os interesses singulares de cada uma, mas sim do grupo como um todo, muitas vezes prejudicando deliberadamente uma das entidades, que passa a acumular os passivos do grupo, em benefício de outra, que incorpora os ativos. Ativos e passivos são permutados entre as entidades sem contraprestações justas, servindo umas como instrumento de enriquecimento e fraudes em benefício de outras.

Verifica-se nessa hipótese que as entidades, embora cada uma inscrita separadamente no registro civil, operam como ente único, e, por consequência, com comunhão de interesses. Quem pratica o evento que faz nascer a obrigação tributária principal é o ente principal, compreendido como unidade patrimonial, gerencial e operacional. Os patrimônios das entidades inscritas no registro civil separadamente, mas que atuam sob direção e no interesse desse ente, com patrimônios entrecruzados, respondem pelas obrigações tributárias de que o grupo é titular.

Não se cuida aqui de hipóteses de mera existência de grupo econômico de empresas, seja à luz da legislação das sociedades por ações Lei 6.404/1976, arts. 265 a 277., seja à luz da legislação trabalhista Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452/1943, art. 2º, §2º., ou de simples presença de vínculos de coligação e controle entre sociedades Lei 6.404/1976, arts. 265 a 277, arts. 243 a 264.. Aqui se trata de inscrições no registro civil de entidades sem autonomia gerencial, operacional ou patrimonial, para esconder um empreendimento uno, com uma só direção e um só patrimônio. Está-se aqui no campo do abuso da personalidade jurídica, ou seja, no campo dos atos ilícitos.

Assim, pressupõe-se, para fins de responsabilidade tributária, abuso das personalidades jurídicas das entidades inscritas no registro civil, caracterizado especialmente por confusão deliberativa, em que decisões são tomadas e operações processadas sem levar em conta o interesse de cada entidade, mas sim do grupo, e por confusão patrimonial, ou seja, ausência de separação de fato entre os patrimônios das entidades, que se dá especialmente mediante transferências ou comunhão de uso e gozo de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações. Reforça-se que tal conduta caracteriza abuso do direito, configurando ilícito jurídico, portanto.

3.3 Elusão Fiscal

A terceira modalidade exemplificativa de ilícito tributário que solidariza seus coautores no polo passivo da obrigação tributária é a elusão fiscal, (ou elisão fiscal fraudulenta). Enquanto na evasão fiscal o sujeito se vale de meio ilícito para sonegar tributo, na elusão o meio usado pelo contribuinte é aparentemente lícito, mas não guarda correspondência com o ato que está sendo efetivamente praticado.

Diferentemente da elisão fiscal, na qual o contribuinte opta, nos limites da lei, por praticar ato que resulte em menor carga tributária, na elusão há abuso de direito, pois se documenta ato que não foi efetivamente praticado, dissimulando aquele efetivamente ocorrido. Busca-se uma dissociação entre a carga tributária e o evento concretamente materializado. Mais uma vez: aqui também se está no campo da antijuridicidade.

O Direito norte-americano desenvolveu a teoria do propósito negocial (business purpose test) para tratar de situações envolvendo elusão fiscal. Sendo a teoria, é preciso investigar a finalidade pretendida pelo contribuinte quando da celebração do ato ou negócio jurídico. Constatado que a forma eleita pelo contribuinte teve o objetivo único de eliminar, reduzir ou adiar a incidência tributária, sem base extrafiscal, a forma eleita pelo contribuinte deve ceder, prevalecendo a operação sustentada pelo seu propósito negocial. Essa teoria tem encontrado resistência na doutrina pátria, pois propõe a investigação de elemento pouco explorado no Direito Tributário brasileiro, que é o propósito que o contribuinte busca alcançar com a prática do ato.

Por outro lado, tem maior consistência a aplicação ao Direito Tributário brasileiro da teoria da consideração econômica do fato gerador, originária do Direito Alemão, segundo a qual os fatos tributários devem ser interpretados à luz dos efeitos econômicos efetivamente produzidos por eles. Assim, a incidência tributária deve considerar a real capacidade contributiva manifestada pelo evento, e não as formas eleitas pelo contribuinte. Garante-se, com isso, que realidades econômicas congêneres sejam tributadas de forma isonômica, independentemente do modo como foram formalizadas.

Deixando de lado o Direito comparado, fundamental para compreender a elusão fiscal é o entendimento de que a lei tributária, ao instituir a regra matriz de incidência do tributo, incide sobre o evento efetivamente praticado pelo contribuinte, e não sobre a documentação que ele produz em sua formalização. É preciso verificar se os elementos essenciais do negócio jurídico declarado realmente estão materializados no evento praticado. Declarado ato ou negócio cujos elementos essenciais não se fazem presentes, a tributação irá incidir não sobre ele, mas sobre o negócio jurídico real, ou seja, aquele cujos elementos essenciais foram realizados.

Nesse sentido, é considerada elusão fiscal, ou planejamento tributário abusivo, a declaração de ocorrência de negócio jurídico cujos elementos essenciais não se materializaram, ao mesmo tempo em que é dissimulado o negócio jurídico real, cujos elementos essenciais se fazem presentes. Assim ocorre, por exemplo, quando o contribuinte transfere, a título gratuito, determinado bem para terceiro, mas simula contrato de compra e venda para se furtar do pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. O preço, que é elemento essencial do contrato de compra e venda, não estará materializado a não ser no papel, ou, caso seja pago, o será em valor irrisório, sem correspondência com o valor do bem.

A esse respeito expõe Humberto Ávila:


Nesse sentido, caso o contribuinte, em conluio com terceiros, declare a ocorrência de um evento que não ocorreu, a fim de dissimular a efetiva materialização do fato imponível, haverá interesse comum na prática ilícita, na obtenção de vantagens econômicas indevidas, para si ou para outrem, e na lesão ao patrimônio público, atraindo a responsabilidade solidária de que trata o art. 124, inciso I, do Código.

4. CONCLUSÃO

O art. 124, inciso I, do Código Tributário Nacional, dispõe que são solidariamente obrigadas as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.

Considera-se presente o interesse comum na prática conjunta do fato gerador da obrigação tributária principal e na prática conjunta de ato ilícito destinado a desfigurar a relação jurídico tributária.

A teoria que condiciona a existência de interesse comum à prática conjunta do fato gerador da obrigação principal permanece válida, mas está restrita às hipóteses que envolvam comportamentos praticados em conformidade com a lei. Na presença de atos ilícitos destinados à sonegação fiscal, doutrina e jurisprudência têm reconhecido que os coautores desses atos comungam do interesse de eliminar, reduzir ou adiar a incidência tributária, obter vantagens econômicas indevidas e lesar o patrimônio público, o que implica sua responsabilidade solidária pelo crédito tributário evadido.

São exemplos de atos ilícitos que, praticados em conjunto, implicam responsabilidade tributária solidária dos coautores, nos termos do art. 124, inciso I, do CTN: 1) a evasão fiscal; 2) o abuso da personalidade jurídica; e o 3) planejamento tributário abusivo (elusão fiscal), sem prejuízo de outras situações congêneres.

Na evasão fiscal, o ato ilícito conjunto pode ser único, oportunidade em que os coautores concorrem diretamente para a sua prática, ou pode ser complexo, modalidade em que o empreendimento ilícito é fragmentado em tarefas, que são então distribuídas entre os diversos responsáveis. Neste último caso, é importante que a atuação seja coordenada e que haja vínculo subjetivo entre os agentes, ou seja, é fundamental que os responsabilizados saibam estar participando de uma iniciativa comum e ilícita.

A segunda espécie de ato contrário a lei que implica responsabilidade solidária daqueles que o praticaram é o abuso da personalidade jurídica, em que duas ou mais entidades, embora formalmente constituídas no registro civil como pessoas jurídicas autônomas, operam como ente único, com administração gerencial e operacional una e patrimônios sobrepostos. O patrimônio das entidades inscritas no registro civil separadamente, mas que atuam sob direção e no interesse desse ente, com patrimônios entrecruzados, respondem pelas obrigações tributárias de que o grupo é titular.

Não se cuida aqui de hipóteses de mera existência de grupo econômico de empresas, seja à luz da legislação das sociedades por ações, seja à luz da legislação trabalhista, ou de simples presença de vínculos de coligação e controle entre sociedades. Aqui se trata de inscrições no registro civil de entidades sem autonomia gerencial, operacional ou patrimonial, para esconder um empreendimento uno, com uma só direção e um só patrimônio. Está-se aqui no campo do abuso da personalidade jurídica, ou seja, no campo dos atos ilícitos.

Terceira modalidade exemplificativa de ilícito tributário que solidariza seus coautores no polo passivo da obrigação tributária é a elusão fiscal, (ou elisão fiscal fraudulenta). Enquanto na evasão fiscal o sujeito se vale de meio ilícito para sonegar tributo, na elusão o meio usado pelo contribuinte é aparentemente lícito, mas não guarda correspondência com o ato que está sendo efetivamente praticado.

A lei tributária, ao instituir a regra matriz de incidência do tributo, incide sobre o evento efetivamente praticado pelo contribuinte, e não sobre a documentação que ele produz em sua formalização. É preciso verificar se os elementos essenciais do negócio jurídico declarado realmente estão materializados no evento praticado. Declarado ato ou negócio cujos elementos essenciais não se fazem presentes, a tributação irá incidir não sobre ele, mas sobre o negócio jurídico real, ou seja, aquele cujos elementos essenciais foram realizados.

Caso o contribuinte, em conluio com terceiros, declare a ocorrência de um evento que não ocorreu, a fim de dissimular a efetiva materialização do fato imponível, haverá interesse comum na prática ilícita, na obtenção de vantagens econômicas indevidas, para si ou para outrem, e na lesão ao patrimônio público, atraindo a responsabilidade solidária de que trata o art. 124, inciso I, do Código.

É a Nota Técnica, ora submetida a consideração superior.

Unidade de Divulgação e Consultoria de Normas da Receita Pública da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos, em Cuiabá/MT, 25 de março de 2024.
Adalto Araújo de Oliveira Júnior
Fiscal de Tributos Estaduais

DE ACORDO

Andrea Angela Vicari Weissheimer
Chefe de Unidade – UDCR/UNERC

APROVADA
Erlaine Rodrigues da Silva
Chefe da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos