“Preliminarmente é preciso que se esclareça alguns aspectos importantes sobre o artigo 198 (e o 199) do CTN, num contexto mais amplo, fundamentais para análise da situação ora apresentada.
A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN) recepcionada como Lei Complementar pela Constituição Federal de 1988 (art. 146), dispunha sobre o sigilo fiscal em seus artigos 198 a 199, nos seguintes termos:
"Art. 198 Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.
Parágrafo único Excetuam-se do disposto neste artigo, unicamente, os casos previstos no artigo seguinte e os de requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça
Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.”
Conforme se verifica no texto legal supra mencionado, a proibição sobre a divulgação de informação (sigilo fiscal) era quase absoluta, podendo ser facilmente observada quando preconizava que essa vedação se dava: “para qualquer fim”; “de qualquer informação”; e, quando fazia exceção dizia “unicamente”, ou seja, apenas nos casos elencados.
O termo sigilo, de acordo com a definição apresentada nos dicionários da língua portuguesa, significa segredo, isto é, aquilo que não pode ser revelado, conhecido apenas de uns poucos, que se diz ao ouvido de alguém.
O sigilo fiscal é, então, entendido como um segredo que a administração tributária tem sobre as informações dos contribuintes, obtidas em razão do ofício, isto é, pelo exercício de atividades de administração e fiscalização tributária, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos, ou de terceiros, e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
No ordenamento jurídico brasileiro, o sigilo corresponde a uma garantia constitucional, decorrente da proteção à intimidade e à vida privada, consubstanciada nos incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral, decorrente de sua violação;
(...)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”
Como se observa, o sigilo fiscal se apresenta como desdobramento dos direitos constitucionais relativos à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, cuja compreensão é necessária para o debate em torno do tema.
Um dos sentidos do sigilo fiscal consiste em resguardar, no seio da Administração Pública, com vistas a prestigiar direito fundamental inscrito na Constituição, os elementos de intimidade e de vida privada de terceiros. A noção de “intimidade”, ou pelo menos de “vida privada”, abrange, também, as empresas (ou pessoas jurídicas), e devem ser compreendidos como medida de segurança, para resguardar o sigilo das informações das pessoas. Por conseguinte, só poderão ser divulgados por agente público, em casos excepcionais.
Assim, todas as vezes que a Administração Tributária, no estrito e regular exercício de suas competências ou atribuições, identificar, localizar ou obter dados ou informações enquadráveis como elementos da intimidade ou da vida privada de pessoas físicas ou empresas deverá mantê-las sob sigilo fiscal.
A proteção constitucional busca evitar o cometimento de arbitrariedades contra o cidadão, entretanto, segundo entendimento já consolidado na doutrina e jurisprudência, os direitos, as garantias e os princípios constitucionais não consistem em disposições absolutas, admitindo a ocorrência de situações de divergência entre si e, conseqüentemente, sua ponderação em cada caso concreto, e deverá sempre ceder em face do interesse público (princípio da supremacia do interesse público).
Nessa perspectiva, em 10 de janeiro de 2001, foi editada a Lei Complementar nº 104, que alterou a Lei Complementar nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN) que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de intercâmbio de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública, para fins de fiscalização e investigação de atividades relacionadas com a prática de ilícitos, sem, contudo, caracterizar violação do dever de sigilo.
Assim, temos que a Lei Complementar nº 104 alterou a redação dos artigos 198 e 199 do Código Tributário Nacional, conforme a seguir:
“Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.
§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I – representações fiscais para fins penais;
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III – parcelamento ou moratória.
Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.”
Houve uma grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da mitigação da proteção constitucional da intimidade e da vida privada instituída por leis infraconstitucionais, principalmente com a edição da Lei Complementar 104/01 e outras. Isso ficou evidenciado pelas inúmeras ações de inconstitucionalidade movidas contra elas, e que não vingaram, como por exemplo:
- ADIn nº 2397 - requer-se a declaração da inconstitucionalidade do art. 1º, na parte em que altera o caput, introduz o inciso II ao parágrafo 1º e acrescenta o parágrafo 2º ao art. 198 do Código Tributário Nacional.
Ficou evidenciado que a legislação infraconstitucional impõe como regra geral o dever de sigilo, prevendo, contudo, situações em que o mesmo é excetuado. Portanto, segundo o entendimento majoritário, não se trata de violação ou quebra do dever de segredo, considerando que o legislador apenas revelou o caráter relativo da aludida garantia constitucional face ao interesse público, o interesse da justiça e o interesse social. Por isso, não se justifica asseverar a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar nº 104/01 e outras que tratam do mesmo tema, apenas porque alargaram o rol de exceções estabelecido na legislação anterior.
Destarte, verifica-se que haverá a violação do dever de sigilo quando do fornecimento de informações sigilosas a terceiros que não possuam interesse legítimo quanto à obtenção e manuseio dos dados, só sendo permitido nos termos expressamente permitidos por lei, caso contrário, caracterizar-se-ia a violação das garantias constitucionalmente tuteladas.
Com efeito, a Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade (art. 37 da Constituição Federal), o que significa dizer que só pode fazer o que a lei autorizar. Por isso deve restringir sua atuação, quando do fornecimento de informações sobre sujeitos passivos e terceiros, obtidas no exercício de sua competência, concernente aos respectivos negócios e situações financeiras ou econômicas, apenas aos casos expressamente autorizados em lei e para pessoas ou órgãos que tenham legítimo interesse nos dados.
Ademais, o fornecimento, pela Fazenda Pública, de informações obtidas sob a égide do sigilo fiscal a outros órgãos da Administração, ou a outras entidades públicas ou particulares, para fins diversos daqueles concernentes à verificação do cumprimento da legislação tributária, poderá constituir desvio de poder ou de finalidade, ainda que não se trate de ato lesivo a interesse público. A Lei no 4.417, de 29 de junho de 1965, na alínea “e” do parágrafo único do seu artigo 2º, dispõe que “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.
É mister ainda lembrar que constitui crime a violação de sigilo funcional, que consiste, segundo o artigo 325 do Código Penal, em "Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação".”