Ponto de vista
Stephen kanitz
Preparadas para servir
Quem quiser viver da industria e do comércio terá de se conscientizar de que as coisas mudaram. Ninguém mais opera exclusivamente nos setores do comércio e da indústria. Na realidade, esses dois setores dependem dos serviços que prestam, não dos produtos que entregam. O mundo empresarial de hoje é o mundo dos serviços.
A grande maioria das empresas ainda não percebeu esse fato ou ainda não está preparada para essa nova era.
Poucas estão autorizadas e treinadas para servir o outro, nesse caso o cliente. As companhias de sucesso serão as empresas que eu chamaria de “preparadas para servir”.
Transformar empresas para servir é um grande desafio, e, por razões históricas, administradores profissionais terão de promover uma mudança cultural de enormes proporções. Herdamos da cultura portuguesa a visão de que servir tem a ver com servidão, um fardo uma, obrigação a ser evitada. Servir ao outro era visto nessa cultura como uma penalidade, algo a ser evitado a todo custo.
Essa mentalidade tem muito a ver com os quase 400 anos de tradição escravocrata, em que se importavam escravos justamente porque servir era impensável. Tanto assim que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão.
Por essas razões históricas, o Brasil vive a resistência a servir os outros.
Servir o outro está associado a servilismo, a serviçal, a subserviência, termos absolutamente negativos. Muito distante do ideal cristão de servir como finalidade maior da existência humana.
Em culturas em que não houve a escravidão, servir o outro é um prazer, é algo feito de bom grado, incentivado e remunerado. Um comportamento altruístico que gera o círculo virtuoso da reciprocidade.
Como mudar esse pensamento dominante e hegemônico no Brasil? A maioria dos brasileiros , inclusive muitos intelectuais, quer ser servida, e não servir. Quer todos os seus direitos, sem pensar nas obrigações.
Que ações uma empresa ou uma repartição pública poderá efetivar para se transformar numa organização preparada para servir os outros? Uma das saídas que recomendo é contratar funcionários que tenham sido voluntários em entidades beneficentes. Isso porque não há seminário, palestra motivacional ou treinamento que induza alguém a mudar de postura. É uma característica pessoal e cultural. Funcionários que tenham sido voluntários mostram predisposição para servir, coisa rara neste país.
Existem no Brasil mais de 2000 entidades sem fins lucrativos que precisam de trabalho esporádico e eventual. São 2000 entidades que sabem muito bem como servir o outro e mostram claramente que isso pode ser um trabalho digno e muito estimulante. Incentivar seus funcionários a ser voluntários é um primeiro passo para aperfeiçoá-los na atuação do mundo dos serviços.
Ser voluntário abre uma oportunidade para funcionários que normalmente estão bem distantes do foco da empresa, como os auditores internos, se envolverem nas questões mais humanas e sociais. O que um auditor interno tem para contar de interessante aos filhos na conversa depois do jantar? Que descobriu cinco notas fiscais frias ou mais um desfalque no almoxarifado?
“Sexta-feira, dia que reservo para o trabalho voluntário, é uma ocasião em que fico de bem com a vida e comigo. É minha terapia”, disse-me um auditor interno depois após a introdução do trabalho voluntário em sua empresa. O trabalho voluntário não ultrapassa a média de três horas por semana, mas muda significativamente a vida dos funcionários.
Há oito anos criei um site que aproxima entidades e potenciais voluntários, www.voluntarios.com.br. Naquela época, ninguém sabia o que era um ponto com, muito menos um ponto org, razão do nosso sufixo comercial. É um belo lugar para começar.
Se ensinarmos as pessoas que servir o outro não é degradante, mas, pelo contrário, um raro prazer, construiremos uma sociedade sólida e uma plataforma de exportação de serviços. Criaremos uma nação de cidadãos compromissados com o cliente e com o social. Vamos começar hoje a aprender a servir o outro em vez de somente nos servir.
“Se ensinarmos que servir não é degradante, mas um raro prazer, construiremos uma sociedade sólida, uma plataforma de exportação de serviços e uma nação de cidadãos comprometidos com o cliente e com o social”.
Stephem Kanitz é um administrador por Harvard (www.Kanitz.com.br)
SAM/SIPLAM
617-2132
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