Órgão Consultivo

Categoria: Informações em Processos de Consulta
Número:026/2025 - UDCR/UNERC
Data da Aprovação:03/25/2025
Assunto:ICMS
Responsabilidade Solidária


Nota Explicativa :
Nota: " Os documentos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os textos publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais."

Texto
NOTA TÉCNICA 026/2025 – UDCR/UNERC

Assunto:ICMS - RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS – FORMAS DE ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE A TERCEIROS – DISTINÇÃO. RAZÕES DE DECIDIR DOS JULGAMENTOS DA ADI 4.845/MT E DO RE 562.276/PR - SENTIDO E ALCANCE.

O sujeito passivo da obrigação tributária principal deve estar sempre previsto em lei em sentido formal, seja na condição de contribuinte, seja na condição de responsável.

Lei complementar de caráter nacional define as normas gerais que vinculam os processos de atribuição, por meio de lei, de responsabilidade tributária a terceiros.

O Código Tributário Nacional define três processos distintos de atribuição de responsabilidade tributária a terceiros, cada um com objeto, requisitos e alcance próprios:

1) responsabilidade solidária natural ou de fato: atribuição direta pelo legislador complementar com regra matriz construída a partir do conceito jurídico indeterminado “interesse comum” (CTN, art. 124, I). Alcança as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

(2) responsabilidade legal definida pelo ente federado: atribuição por força de lei ordinária do ente político titular da competência tributária (CTN, arts. 124, II, e 128). Pode a lei ordinária alcançar as pessoas vinculadas ao fato gerador da respectiva obrigação;

(3) responsabilidade legal definida pelo CTN: atribuição direta pelo legislador complementar com regra matriz construída de forma integral e taxativa, sem espaço para inovações pelo legislador ordinário (CTN, arts. 130 a 135). Alcança as pessoas sem vínculo relevante com o fato gerador. São pessoas que mantém vínculo apenas com o contribuinte e que, quando se relacionam com o fato gerador, o fazem em nome ou no interesse do devedor principal.

As razões de decidir dos julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.845 MT e no RE 562.276 PR circunscrevem-se exclusivamente à disciplina da responsabilidade legal definida pelo próprio CTN, que alcança terceiros sem vínculo relevante com o fato gerador, que tem por objeto especialmente “a responsabilidade de terceiros por infrações, prevista pelos arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional – CTN.”

A competência dos entes federados de, por meio de lei, eleger terceiros vinculados ao fato gerador para ocupar o polo passivo de determinadas obrigações tributárias é decorrência de sua autonomia política, própria do modelo federativo de Estado, e não conflita com as teses definidas nos julgamentos da ADI 4.845/MT e do RE 562.276/PR.


A presente Nota Técnica ampara-se no art. 56, incisos III e VIII, do Regimento Interno da Secretaria de Estado de Fazenda, aprovado pelo Decreto n. 729 de 26 de fevereiro de 2024, e tem por objetivo analisar o sentido e o alcance das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.845/MT e no RE 562.276/PR, no que se refere às formas de atribuição de responsabilidade tributária a terceiros.

Sua elaboração é motivada pelo Ofício n° 1.103/2024/GAB/PGE, da lavra do Procurador-Geral do Estado, que encaminhou a esta Secretaria a CI n° 02156/2024/GSGF/PGE, documento que lista situações de sucumbência habitual da Fazenda Pública mato-grossense em processos judiciais, destacando-se a responsabilização tributária de terceiros em hipóteses supostamente conflitantes com as regras estabelecidas no Código Tributário Nacional (item 5).

Para compreender adequadamente o alcance dessas decisões, esta Nota Técnica primeiramente contextualizará os julgados em questão e, em seguida, realizará uma análise completa do sistema de responsabilidade tributária de terceiros no ordenamento jurídico brasileiro. Esta abordagem visa demonstrar que o Sistema Tributário Nacional, na figura principal do Código Tributário Nacional (CTN), estabeleceu três processos legais distintos para a atribuição de responsabilidade tributária a terceiros, cada um com características e condições próprias.

Após a análise detalhada de cada uma dessas formas de responsabilização, será evidenciado que as razões de decidir dos julgamentos da ADI 4.845/MT e do RE 562.276/PR alcançam somente um desses processos: a responsabilidade legal definida diretamente pelo CTN (arts. 130 a 135), sem prejuízo da autonomia dos entes federados para legislar sobre as demais hipóteses de responsabilização, nos termos permitidos pelo CTN.

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DOS JULGADOS

Antes de adentrar na análise da disciplina da responsabilidade tributária no ordenamento jurídico brasileiro, é necessário contextualizar os julgados que motivaram a presente Nota Técnica, para melhor compreensão do alcance de suas razões de decidir.

1.1. ADI 4.845/MT

O Supremo Tribunal Federal, em 13 de fevereiro de 2020, julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.845/MT, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 18-C da Lei Estadual n° 7.098/1998, acrescentado pelo artigo 13 da Lei n° 9.226/2009, do Estado de Mato Grosso.

O dispositivo impugnado, posteriormente revogado pela Lei 12.055/2023, atribuía responsabilidade solidária ao administrador, ao advogado, ao economista, ao correspondente fiscal, ao preposto, bem como a toda e qualquer pessoa que concorresse ou interviesse, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação tributária, por infrações praticadas no que se refere à prestação de informações com omissão ou falsidade.

O STF entendeu que a norma estadual avançou indevidamente em dois pontos: (i) ampliou o rol das pessoas que podem ser pessoalmente responsáveis pelo crédito tributário; (ii) dispôs diversamente do CTN sobre as circunstâncias autorizadoras da responsabilidade pessoal do terceiro.

1.2. RE 562.276/PR

Em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal julgou, em 3 de novembro de 2010, o RE 562.276/PR, declarando a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei Federal 8.620/2003, que atribuía responsabilidade pessoal ampla aos sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada pelos débitos perante a Seguridade Social.

Neste julgamento, o STF fixou o entendimento de que "O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN, mas, ao contrário, expandiu-a sobremaneira para alcançar pessoas físicas que não exercem a administração da empresa devedora e que sequer incorreram em conduta dolosa ou culposa".

Ambos os julgados têm em comum o fato de tratarem da intromissão indevida do legislador ordinário em hipóteses de responsabilização de terceiros já disciplinadas pelo Código Tributário Nacional em seu art. 135, envolvendo pessoas que não têm vínculo com o fato gerador, mas que mantêm relação apenas com o contribuinte.

2. DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

A obrigação tributária principal vincula, mediante direitos e deveres recíprocos, sujeitos que ocupam posições distintas na relação jurídica. O polo ativo da relação é ocupado pela pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação. O polo passivo, por sua vez, é ocupado por duas espécies de sujeitos. A matéria é tratada pelos arts. 119 e 121 do Código Tributário Nacional:


A primeira espécie de sujeição passiva é a do contribuinte, pessoa que mantém relação pessoal e direta com o fato gerador. Em outras palavras, contribuinte é a pessoa que realiza de forma pessoal e direta o verbo núcleo (de ação ou de estado) do tipo tributário. É a pessoa que manifesta capacidade contributiva e que pratica a situação definida em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária.

A segunda espécie de sujeição passiva é a do responsável tributário É controvertida a natureza jurídica da relação entre terceiro responsável e sujeito ativo da obrigação tributária. No geral, afirma-se que o responsável integra, ao lado do contribuinte, o campo subjetivo da regra matriz de incidência do tributo. Outros manifestam que o terceiro responsável ingressa na relação jurídica tributária por força de uma segunda regra matriz de incidência, nomeada regra matriz de responsabilidade tributária. Um terceiro pensamento sustenta que o terceiro responsável, alheio à realização pessoal e direta do fato gerador, não mantém relação de natureza tributária com o sujeito ativo do tributo, mas sim vínculo decorrente de uma sanção administrativa legalmente imposta (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 29. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 337). Alinha-se aqui ao entendimento segundo o qual a responsabilidade do terceiro nasce com a previsão legal de uma regra matriz específica (assim também: RE 562.276, STF, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 03.11.2010)., terceiro sem vinculação pessoal e direta com a realização do fato gerador, mas que, por força de lei, é chamado a responder pelo pagamento do tributo. Por se tratar de pessoa que não figura na regra matriz de incidência do tributo, e que por vezes se distancia da manifestação da capacidade contributiva, sua eleição como responsável depende da observância de um conjunto de condições, sem as quais o Estado não pode validamente constituí-lo como devedor.

A primeira e principal condição é a eleição por meio de lei em sentido formal. A instituição ou majoração de tributos, de um modo geral, está submetida ao princípio da legalidade estrita, ou reserva absoluta de lei. Somente por meio do regular processo legislativo pode alguém ser compelido a pagar tributo, nos termos do art. 150, inciso I, da Constituição Federal “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”. A limitação tutela sujeitos não só enquadrados como contribuintes, mas também terceiros eleitos como responsáveis.

A segunda condição é a observância das normas gerais definidas por lei complementar de caráter nacional. A Constituição Federal, em seu art. 146, inciso III, reserva ao legislador complementar nacional a competência para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, quanto aos impostos discriminados no texto constitucional.

O comando constitucional encontra-se satisfeito pelo Código Tributário Nacional, recepcionado pela nova ordem constitucional como lei complementar. No particular, quanto ao ICMS, a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, também traça as normas gerais sobre o tema. É esse o regramento que será objeto de exame.

3. A DISCIPLINA DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

As hipóteses de responsabilização de terceiros Neste estudo, será adotada a definição dada por Hugo de Brito Machado, segundo a qual “a responsabilidade em sentido amplo é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do Fisco de exigir a prestação da obrigação tributária, e, em sentido estrito, é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa, que não é o contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do Fisco de exigir a prestação respectiva.” (Curso de Direito Tributário, 41ª. ed., p. 154). pelo crédito tributário são definidas no interesse da fiscalização eficiente e da arrecadação justa dos tributos, sempre à luz do princípio da legalidade, da isonomia e da capacidade contributiva.

O Código Tributário Nacional organiza o processo de responsabilização tributária de terceiros a partir de três modelos. No primeiro, que alcança um grupo específico de casos, o Código constrói, ele mesmo, a regra matriz de responsabilidade tributária, elegendo terceiros que não realizaram o núcleo do tipo tributário para integrarem a relação jurídico tributária, na condição de sujeitos passivos. Esse modelo se desdobra em dois processos de responsabilização distintos.

No primeiro processo legal de responsabilização direta pelo CTN, o Código apresenta a regra matriz de responsabilidade tributária a partir de uma textualização normativa aberta “O fenômeno da textualização normativa aberta busca atender à necessidade de construção de enunciados normativos de tipicidade e alcance amplo e flexível, que se amoldam mais facilmente ao caso concreto e acompanhem a inevitável evolução social e valorativa que se dá com o passar do tempo. O texto normativo composto por conceitos indeterminados tende a durar mais tempo, atendendo a um número maior de casos, presentes e futuros; tende a adaptar-se mais facilmente a novas realidades; tende, enfim, e justamente por isso, a propiciar um ganho normativo ao sistema jurídico, em termos de justiça e coesão.” (ROSELLI, Frederico. Clausole Generale. I´uso giudiziario. Politica del diritto. Bologna, n.4, 1998, p. 670-672. Citado por DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 10 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, v.2.)., mediante emprego de conceitos jurídicos indeterminados. Alcança as pessoas com interesse comum no fato gerador da obrigação principal. É o processo previsto em seu art. 124, inciso I.

No segundo processo de responsabilização direta pelo Código, a regra matriz também é dada pelo legislador complementar, mas nele a construção emprega conceitos com conteúdo semântico mais fechado. Esse processo reduz a margem de interpretação do operador e retira do ente federado a possibilidade de inovar nas matérias que foram tratadas. Seus destinatários são terceiros que não mantêm vínculo com o fato gerador, mas sim com o devedor principal. É o que ocorre nos arts. 130 a 135 do CTN.

No terceiro modelo de processo, destinado a grupo diverso de casos (terceiros vinculados ao fato gerador), o Código se limita a traçar diretrizes e condições gerais para que o ente político titular da competência tributária eleja qual será a conduta (ou o estado) do terceiro necessária e suficiente para sua integração ao polo passivo da obrigação tributária. Trata-se de responsabilidade legal definida pelo ente federado. Em outras palavras, o ente federado titular da competência tributária constrói, obedecidas as normas gerais definidas pelo legislador complementar nacional, a regra matriz de responsabilidade tributária dos tributos de que é sujeito ativo. Esse processo se ampara nos arts. 124, inciso II, e 128 do CTN.

Cada um desses processos de responsabilização de terceiros possui objeto e requisitos próprios. A definição clara dos limites entre eles é fundamental para se evitar interseções indevidas, como, por exemplo, a aplicação inadvertida das razões de decidir de julgados que versam sobre o processo de responsabilização direta pelo CTN a casos que dizem respeito a processo de responsabilização distinto, em que a definição da regra matriz de responsabilidade tributária compete ao legislador ordinário do ente federado.

É sobre essa distinção que se tratará a seguir, observando a ordem em que os processos de responsabilização se apresentam no Código.

3.1 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA NATURAL OU DE FATO - RESPONSABILIZAÇÃO DIRETA PELO CTN POR MEIO DE CONCEITOS ABERTOS (ART. 124, INCISO I, CTN)

A primeira forma de responsabilização tributária de terceiros é apresentada pelo Código Tributário Nacional em seu art. 124, inciso I. Nestes termos:


A doutrina nomeia esse primeiro processo de responsabilização de solidariedade natural ou de fato. Nele, o Código não enumera de forma circunstanciada as diversas regras matriz de responsabilidade tributária, como o fez nos arts. 130 a 135, e nem confere ao ente titular da competência tributária a sua delimitação, como o fez nos arts. 124, II, e 128. Na solidariedade natural, o CTN institui ele mesmo a regra matriz, mas o faz por meio de textualização normativa aberta, valendo-se de conceitos jurídicos indeterminados.

Os conceitos jurídicos indeterminados são construções normativas que empregam termos vagos, que dão ao intérprete margem relevante para o preenchimento de seu sentido. É o que ocorre no emprego do termo “interesse comum” Discorrendo sobre a solidariedade de fato, Hugo de Brito Machado afirma que “a existência de interesse comum é situação que somente em cada caso pode ser examinada. A solidariedade, em tais casos, independe de previsão legal. Nem pode a lei dizer que há interesse comum nesta ou naquela situação, criando presunções. Se o faz, o preceito vale por força do inciso II do art. 124, que admite sejam consideradas solidariamente obrigadas pessoas sem interesse comum. Mas haverá defeito de técnica legislativa, que deve ser evitado.” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora Juspodvim, 2024. p. 163).

É consenso que a expressão “interesse comum” abrange as pessoas que realizam em conjunto a hipótese necessária e suficiente para o nascimento da obrigação tributária, especialmente quando o tipo tributário representa uma situação jurídica sob domínio comum. É o caso dos tributos que incidem sobre a propriedade, domínio ou posse a qualquer título. No caso do IPVA, por exemplo, seria a hipótese de condômino de veículo automotor. Note-se que, fosse apenas esse o sentido possível do termo, estariam no polo passivo da obrigação somente contribuintes, sem terceiros responsáveis. Entretanto, quisesse o Código se limitar a alcançar somente contribuintes, teria usado no art. 124, inciso I, a mesma redação que usara no art. 121, inciso I, ao definir a figura do contribuinte. Ou seja, teria dito que são responsáveis solidários todos aqueles que tenham “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”.

Da mesma forma, a opção do legislador pela expressão “interesse comum”, e não pela expressão “direito comum”, mostra também que a responsabilidade ali versada não alcança somente pessoas que comungam de idêntica situação jurídica. “Interesse” certamente é conceito mais amplo que “direito”, e pode alcançar inclusive situações não apreendidas pelo ordenamento jurídico.

Certo é que o CTN, ao usar a expressão “interesse comum”, quis dizer mais que a simples realização conjunta do fato imponível. A Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso entende que a expressão “interesse comum” alcança não só a realização conjunta do fato gerador, mas também a prática conjunta de atos ilícitos que visam suprimir ou reduzir tributo ou dificultar a sua cobrança. Essa concepção está em consonância com o entendimento manifestado pela Secretaria da Receita Federal por meio do Parecer Normativo COSIT/RFB nº 04, de 10 de dezembro de 2018, segundo o qual a expressão interesse comum alcança não só a realização conjunta do fato gerador, mas também, em síntese:

a) Prática conjunta de ato ilícito visando à desfiguração da obrigação tributária Nesse sentido: STJ, Segunda Turma, AgInt no REsp 1.766.154/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 28.09.2020.;
b) Empreendimento único formado por entidades com autonomia operacional e financeira meramente simulada (grupo econômico fraudulento);
c) Planejamento tributário abusivo conjunto, em que a documentação do ato não corresponde à operação efetivamente ocorrida (elusão fiscal conjunta).
Mais do que aprofundar no alcance do processo de responsabilização tributária fundada no art. 124, I, do CTN (tarefa digna de Nota Técnica própria), pretendeu-se demonstrar a existência de um grupo específico de casos para esse processo, o qual conta com objeto e requisitos próprios, que não se confundem com o objeto e requisitos dos processos legais de responsabilização descritos a seguir.

3.2 RESPONSABILIDADE LEGAL DEFINIDA PELO ENTE FEDERADO (ARTS. 124, INCISO II, E 128, CTN)

Já se viu que o Código Tributário Nacional, ao cumprir o comando do art. 146 da Constituição da República, fez a opção de definir ele mesmo, nos arts. 124, inciso I, 130 a 135, um grupo de hipóteses de responsabilidade tributária de terceiros, sem margem relevante de intervenção pelo legislador ordinário dos entes federados. A responsabilidade tributária definida nesses moldes alcança pessoas com interesse comum no fato gerador (art. 124, I) e pessoas sem vínculo com o fato gerador, mas vinculadas ao devedor principal da obrigação tributária (arts. 130 a 135).

Paralelamente, o Código reconheceu à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para instituir outras modalidades de responsabilização de terceiros pelo crédito tributário, o que fez nos arts. 124, II, e 128. Nestes termos:


O grande destaque desse modelo de responsabilização (responsabilidade legal definida pelo ente federado) é que o CTN atribui aos entes políticos a competência para eleger novas hipóteses de responsabilidade tributária de terceiros, não contempladas pelo legislador complementar. A redação do art. 128 do CTN deixa isso claro ao dispor que, “sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação...”. O termo “sem prejuízo do disposto neste capítulo” é utilizado para tornar claro que as regras matriz definidas pelo legislador ordinário dos entes políticos convivem validamente com aquelas definidas pelo Código.

E não poderia o legislador complementar ter disciplinado a matéria de forma diversa, considerando o modelo de repartição das competências tributárias definido pela Constituição da República, base importante do nosso modelo federativo de Estado. A Constituição da República atribuiu competência tributária aos diversos entes políticos autônomos da Federação, reconhecendo-lhes o poder de instituir, fiscalizar e arrecadar os tributos postos sob direção de cada ente. A competência tributária, que compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas nas Constituições e no Código Tributário Nacional, é privativa, indelegável, irrenunciável, incaducável e inalterável.

Bem por isso a Constituição da República reservou à lei complementar federal apenas a definição de normas gerais em matéria de legislação tributária, mantendo com o ente titular da competência tributária a capacidade para dispor, por meio de lei e na medida de suas opções políticas, sobre os tributos sob sua administração. Cabe à lei complementar federal, portanto, em matéria de legislação tributária, somente estabelecer o quadro geral do ordenamento jurídico tributário, garantindo integridade e coerência ao sistema tributário nacional.
Nota-se que o CTN, nos arts. 124, II, e 128, não cria competência para que os entes federados disponham sobre certas hipóteses de responsabilização tributária de terceiros. O Código apenas anuncia, de forma ordenada, a competência que a Constituição já havia assegurado às unidades federadas que formam o Estado brasileiro À luz da forma federativa de nosso Estado, “as competências tributárias que as pessoas políticas receberam da Constituição Federal não podem ser restringidas, ampliadas, ou, muito menos, anuladas, por meio de lei complementar: nem mesmo, pela aludida no art. 146”. (CARRAZA, Roque Antônio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010. p 56.) Nem mesmo emenda constitucional poderia retirar do ente político competência que o constituinte lhe outorgara, sob pena de afrontar o art. 60, §4º, inciso I, da Constituição Federal.
.
Por meio desse modelo de processo legislativo, será o ente federado, titular da competência tributária, quem irá definir o sujeito passivo secundário (responsável tributário) da obrigação tributária, desde que observe os contornos definidos pela Constituição e pelo legislador complementar. Nesse grupo de casos, a lei complementar exigiu que o responsável legalmente eleito tenha vínculo com o fato gerador, a fim de conter excessos do legislador ordinário e assegurar a observância dos limites constitucionais ao poder de tributar. Exige-se também que o ente federado estabeleça sua sujeição passiva por meio de lei e em termos minimamente objetivos que bem delimitem a hipótese pretendida, vedada a utilização de termos genéricos que reúnam em um mesmo tratamento tributário pessoas em situação fática e jurídica diversa.

No âmbito federal, o Decreto-Lei nº 37/1966, com redação conferida pela Medida Provisória 2.158-35/2001, traz exemplo de responsabilização de terceiro que mantém vínculo com o fato gerador, por instrumento normativo equiparável à lei ordinária (medida provisória). Estabelece o Decreto-Lei que o representante, no país, do transportador estrangeiro, é solidariamente responsável pelo pagamento do Imposto de Importação incidente sobre a entrada de mercadoria estrangeira em território nacional.

A esse respeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou constitucional esse modelo de responsabilização, em que um terceiro que mantém vínculo com o fato gerador é eleito sujeito passivo da obrigação tributária por lei ordinária editada pelo ente político competente. Confira-se a ementa do julgamento:

O voto do Relator Ministro Gilmar Mendes reúne entendimentos manifestados durante o decorrer da ADI 5.431/DF, que confirmam a possibilidade de lei ordinária do ente federado competente eleger terceiro vinculado ao fato gerador como responsável tributário, nos termos do art. 128 do CTN, sem prejuízo das hipóteses de responsabilização previstas diretamente pelo Código. Nesse sentido, manifestação da Advocacia Geral da União:

Na mesma direção foi a manifestação da Procuradoria Geral da República, nestes termos:

Assim também a manifestação do Ministro Relator:

Ainda no domínio legislativo federal, outro exemplo do exercício dessa competência pelo legislador federal é a designação de responsáveis, vinculados ao fato gerador do imposto, pelo pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados. Designa a Lei 7.798/89 como responsável tributário o encomendante, na industrialização por encomenda, e o estabelecimento comercial atacadista, quando mantiver produtos desacompanhados da documentação comprobatória de sua procedência, ou que deles der saída. Em ambas as situações se percebe vínculo do responsável com o fato gerador, seja como ordenador do processo de industrialização (no caso do encomendante), seja como depositário e/ou remetente dos produtos industrializados (no caso do atacadista). Art. 4o Os produtos sujeitos aos regimes de que trata esta Lei pagarão o imposto uma única vez, ressalvado o disposto no § 1o.
(…)

§ 2º Na hipótese de industrialização por encomenda, o encomendante responde solidariamente com o estabelecimento industrial pelo cumprimento da obrigação principal e acréscimos legais. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001)

§ 3° Sujeita-se ao pagamento do imposto, na condição de responsável, o estabelecimento comercial atacadista que possuir ou mantiver produtos desacompanhados da documentação comprobatória de sua procedência, ou que deles der saída.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já reconheceu essa forma de responsabilização de terceiros, fundada nos art. 124, II, e 128, do CTN, em que cabe ao ente titular da competência tributária definir a respectiva regra matriz de responsabilidade tributária:


Também a título de exemplo de atribuição de responsabilidade por meio de lei ordinária do ente competente, e ainda no âmbito federal, a Lei n° 8.212/91, em seu art. 30, inciso VI, prevê que o proprietário, o incorporador ou o dono da obra são solidários com o construtor, e estes com a subempreiteira, pelo cumprimento das obrigações para com a Seguridade Social. Nesses termos:

Do dispositivo e do trecho da ementa transcritos, extrai-se que, na referida hipótese de atribuição de responsabilidade solidária legal, há liame entre os responsáveis e o fato gerador da obrigação tributária. Destaca a decisão, também, que, caso os responsáveis observem seus deveres de cuidado (ex.: exigir comprovante de pagamento pelo contribuinte), ficam isentos do dever de pagar o tributo.

No âmbito do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, o reconhecimento da competência dos estados para instituir novas formas de responsabilidade tributária ainda tem respaldo na opção feita pelo legislador complementar na Lei Complementar 87/96, que nos arts. 5º e 6º estabelece:

A Lei Kandir reforça, para o ICMS, o que o Código Tributário Nacional já reconhece quantos aos tributos em geral. A saber: lei do ente federado com competência tributária para instituir, fiscalizar e arrecadar determinado tributo pode instituir novas formas de responsabilidade tributária, desde que alcance pessoas vinculadas ao fato gerador em alguma medida. À luz da dinâmica particular do imposto, a Lei Kandir traz como exemplos o vínculo do depositário da mercadoria e o do contribuinte que participa da cadeia de circulação da mercadoria.

O grande diferencial do processo de atribuição de responsabilidade aqui tratado é sua aptidão para alcançar situações que não foram previstas pelo legislador complementar. Basta que o ente titular da competência tributária eleja pessoa que mantenha vínculo de fato com o fato gerador do tributo. Essa característica diferencia esta forma de atribuição de responsabilidade daquela tratada nos arts. 130 a 135 do CTN (tratada a seguir) em que o Código constrói ele mesmo a regra matriz de responsabilidade tributária, deixando pouco ou nenhum espaço para intervenção do ente federado.

Definidos os contornos da competência dos entes federados para instituir novas hipóteses de responsabilidade tributária por meio de lei, passa-se à última forma, apresentada pelo CTN, pela qual o Poder Público pode trazer um terceiro à obrigação tributária.

3.3 RESPONSABILIDADE LEGAL DEFINIDA PELO CTN – RESPONSABILIZAÇÃO DIRETA PELO CTN POR MEIO DE CONCEITOS FECHADOS (ARTS. 130 A 135, CTN)

Nos arts. 130 a 135, o Código Tributário Nacional estabelece hipóteses de responsabilidade de terceiros que não tem vínculo com o fato gerador. Nesses casos, o Código Tributário Nacional constrói ele mesmo a regra matriz de responsabilidade tributária, e o faz de forma mais detalhada do que o fez no art. 124, inciso I, deixando pouca ou nenhuma margem para inovações pelos entes federados.

Sem descurar da presença, nas regras matriz definidas nos arts. 130 a 135 do Código, de conceitos que demandam algum grau de interpretação, certo é que os termos empregados aqui tem conteúdo mais fechado do que o conceito de “interesse comum” empregado no art. 124, I. Isso ocorre porque essa forma de atribuição de responsabilidade se destina a pessoas sem vínculo material com o fato gerador da obrigação tributária (o liame se estabelece principalmente entre responsável e contribuinte).

Considerando esse distanciamento maior entre fato gerador e responsável, e, por consequência, entre a manifestação da capacidade contributiva e o terceiro, o CTN houve por bem trazer ele mesmo os detalhes da responsabilização. Vejam-se os casos:
Observa-se que são hipóteses em que o responsável tributário mantém, de alguma forma, vínculo com o contribuinte, mas não com a situação material que dá origem à obrigação tributária. É o que acontece, por exemplo, com o adquirente de bem imóvel, que responde pelos impostos cujo fato gerador seja a propriedade do antigo titular do bem, nos termos do art. 130 do CTN. Nota-se que o adquirente não tem relação com o fato gerador do tributo, que é a propriedade (o domínio útil ou a posse) do antigo proprietário.

No mesmo sentido é a situação daquele que adquire, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, e passa a responder, por transferência da responsabilidade, pelos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato, nos termos do art. 133 do CTN. Aqui também o vínculo se estabelece entre responsável e contribuinte pelo trespasse, não havendo participação do responsável no fato gerador dos tributos: operações de circulação de mercadorias, operações de prestação de serviços, aquisições de disponibilidade de renda e outros fatos geradores aperfeiçoados antes da transferência.

Observa-se situação semelhante nos responsáveis definidos nos art. 134 e 135 do CTN. São pessoas que mantém vínculo com o contribuinte, mas que não concorrem para a realização do fato gerador, ou, se concorrem, o fazem em nome ou no interesse de outrem. A atribuição de responsabilidade recai sobre terceiros que, em geral, são administradores ou gestores da vida patrimonial de certos contribuintes: assim os pais quando atuam em nome dos filhos incapazes, os administradores de bens que atuam em nome dos respectivos titulares, os serventuários de ofício que instrumentalizam os negócios jurídicos, os diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas que atuam em nome da corporação etc.

São pessoas que não participam, em nome próprio, da operação relativa à circulação de mercadoria, em relação ao ICMS, da operação relativa à prestação de serviços, em reação ao ISS, da titularidade de veículo automotor, no caso do IPVA, da saída de estabelecimento industrial de produto industrializado, no caso do IPI, e assim por diante.

Nesses casos, tendo em vista a falta de vínculo do responsável com a situação que atrai a incidência da norma tributária, e o distanciamento da manifestação da capacidade contributiva, optou o legislador complementar por enumerar ele mesmo as hipóteses de responsabilidade tributária, deixando pouca ou nenhuma margem para a atuação dos entes políticos. Foi isso que reconheceu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.845 MT e no julgamento do RE 562.276 (Rel. Min. Ellen Gracie, j. 03.11.2010).Compreendidas as três formas distintas de atribuição de responsabilidade tributária a terceiros previstas no CTN, passa-se agora à análise específica das razões de decidir do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos da ADI 4.845/MT e do RE 562.276/PR, a fim de identificar precisamente qual dessas formas foi objeto das decisões e quais os limites da interpretação a ser dada a esses precedentes.

4. ADI 4.845 MT E RE 562.276 PR - IMPACTO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF NAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS DOS ENTES FEDERADOS.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.845 MT (Plenário, j. 13.02.2020, DOU 21.02.2020), fixou a tese: “É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional”.

O objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.845 MT foi o parágrafo único do artigo 18-C da Lei Estadual n° 7.098/1998, acrescentado pelo artigo 13 da Lei n° 9.226/2009, do estado de Mato Grosso, que atribuiu responsabilidade ao administrador, ao advogado, ao economista, ao correspondente fiscal, ao preposto, bem como a toda e qualquer pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação tributária, solidariamente com o respectivo sujeito passivo, por infrações praticadas, no que se refere à prestação de informações com omissão ou falsidade.

O dispositivo impugnado, revogado pela Lei 12.055/2023, assim se apresentava:

A ação direta foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, preocupado especialmente com a possibilidade de responsabilização de advogados a partir de seus atos funcionais. Apontou o Conselho que a lei estadual (1) teria invadido a competência privativa da União para legislar sobre condições para o exercício de profissões, prevista na Constituição Federal, art. 22, XVI; (2) teria violado o princípio do livre exercício profissional (CF, art. 5º,); e (3) teria ferido a inviolabilidade do advogado pelos atos praticados no exercício de sua profissão (CF, art. 133). O Conselho teria argumentado ainda que a lei estadual (4) teria ido de encontro ao art. 128 do Código Tributário Nacional, pois não teria especificado qual “o comportamento do advogado capaz de configurar sua vinculação ao fato gerador da obrigação tributária.”

No julgamento da ação direta, o Ministro Relator Roberto Barroso afirmou em seu voto: “como consequência da inserção da obrigação tributária na reserva de lei complementar federal estabelecida na alínea b do inciso III do artigo 146 da CF, as linhas básicas da responsabilidade tributária devem estar contidas necessariamente em lei complementar federal, não sendo possível que uma lei estadual estabeleça regramento que entre em conflito com as normas gerais federais”.

De modo que, também nas palavras do Ministro Relator, “estabelecer quais são os terceiros que responderão pelos créditos decorrentes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos é matéria de norma geral, que deve ser veiculada por lei complementar federal (...)”. Aqui o voto do Min. Relator está fazendo clara remissão às hipóteses tratadas pelo CTN em seu art. 135.

Assim, concluiu o Relator que o parágrafo único do artigo 18-C da Lei n° 7.098/1998 “aborda matéria reservada a lei complementar federal pelo art. 146, III, b, da CF, caracterizando uma inconstitucionalidade formal. Isto porque avança em dois pontos sobre os quais não poderia a lei estadual inovar, transbordando de sua competência: (i) amplia o rol das pessoas que poderiam ser pessoalmente responsáveis pelo crédito tributário; (ii) dispõe diversamente sobre as circunstâncias em que poderia haver a responsabilização do terceiro. (...)”.

Ao final do julgamento, firmou-se a seguinte tese:

Na aludida decisão, o STF entendeu que o parágrafo único do artigo 18-C tratava de responsabilidade pessoal de terceiro por infrações, cuja previsão no CTN (artigo 135) é taxativa: não pode ser modificada, tanto no que se refere aos sujeitos quanto às circunstâncias autorizadoras do alargamento do polo passivo da obrigação tributária.

Logo, não pode a lei ordinária modificar as regras matriz de responsabilidade de terceiro por infrações previstas no artigo 135 do CTN, ou seja, não pode alterar a responsabilidade por créditos tributários decorrentes de atos cometidos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Nesses casos, só respondem as pessoas arroladas no artigo 135 do Código.

Mas não se pode extrair da decisão do STF em controle concentrado a conclusão de que ao legislador estadual (ou dos entes políticos, em geral) está vedado atribuir responsabilidade solidária a terceiros pelo descumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, nos termos autorizados pelo artigo 124, II, do CTN, em circunstancias específicas e diversas das previstas no CTN.

Já em sede de controle difuso de constitucionalidade, o Tribunal enfrentou a matéria em direção semelhante. Na decisão proferida no RE 562.276/PR (Rel. Min. Ellen Gracie, j. 03.11.2010), o Supremo reputou inconstitucional o art. 13 da Lei 8.620/93 segundo o qual os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam solidariamente com a contribuinte, com seus bens pessoais, pelos débitos com a Seguridade Social.

Veja-se trecho da ementa do julgamento do RE 562.276/PR, que julgou inconstitucional o artigo 13 da Lei n° 8.620/93, em que a Min. Ellen Gracie aduz que:
Assim como o caso tratado na ADI 4.845/MT, a hipótese versada no RE 562.276/PR também tratava de intromissão indevida do legislador ordinário em tema já tratado pelo Código Tributário Nacional em seu art. 135. Enquanto o CTN exige para a responsabilização dos sócios de empresas por cotas de responsabilidade limitada a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, a lei federal ampliava essa responsabilidade em relação às contribuições previdenciárias, excluindo indevidamente a condição imposta pela lei complementar (prática de ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos).

No julgamento, destacou-se que o art. 13 da Lei 8.620/93

Dessa forma, disse o julgado que o legislador ordinário do ente federado (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios), ao atribuir responsabilidade a terceiros, não pode tratar, de modo diverso, de casos já disciplinados pelo CTN. Disse ainda que, caso a situação tratada pelo ente federado não esteja regulamentada pelo CTN, deve o legislador ordinário observar o disposto no art. 128 do Código, a saber: eleger terceiros vinculados ao fato gerador da obrigação tributária.

O acórdão de julgamento do RE 562.276 PR é importante pois delimita seu âmbito de incidência e esclarece que a responsabilidade tributária definida pelo CTN em seu art. 135 é diversa da modalidade de responsabilidade cuja definição foi atribuída aos entes federados pelo Código, por meio de seus arts. 124, inciso II, e 128. Nas hipóteses apresentadas pelo art. 135, o CTN define desde já as regras matrizes de responsabilidade tributária. Na previsão do art. 124, II, por sua vez, o CTN apenas traça diretrizes para que o legislador de cada ente político estabeleça outras regras específicas de responsabilidade tributária relativamente aos tributos da sua competência, exigindo, nesse caso, que o responsável tenha vínculo com o fato gerador, nos termos do art. 128. Nesse sentido o seguinte excerto da decisão:
Além disso, o voto condutor da decisão destaca a linha de pensamento aqui adotada no sentido de que a sujeição passiva da obrigação tributária se constrói a partir de duas normas distintas: a regra matriz de incidência tributária, que define o contribuinte do tributo; e a regra matriz de responsabilidade tributária, que posiciona o terceiro no polo passivo da relação jurídico tributária. Nestes termos: Ambos os casos tratados pelo STF, seja no julgamento da ADI 4.845 MT, seja no do RE 562.276 PR, tratavam da intromissão indevida do legislador ordinário em hipóteses de responsabilização de terceiros já disciplinadas pelo Código Tributário Nacional em seu art. 135.

São casos de responsabilização de pessoas naturais que não tem vínculo com o fato gerador, mas que atuaram com infração da lei no momento do cumprimento de obrigação acessória (no caso do art. 18-C da Lei Estadual 7.098/98) ou que mantinham simples relação com o contribuinte por força de contrato social (no caso do art. 13 da Lei Federal 8.620/93).

Por envolver matéria já disciplinada pelo CTN, não poderia o legislador ordinário inovar no assunto, alcançando terceiros que estão fora da regra matriz de responsabilidade tributária definida pelo Código. É isso o que reconheceu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.845 MT e do RE 562.276 PR, cujas razões de decidir estão limitadas às situações em que a responsabilização do terceiro se dá diretamente pelo CTN.

Esses precedentes não alcançam o processo de atribuição de responsabilidade tributária pelos entes federados baseado nos arts. 124, II e 128 do CTN, que tem como objeto situações não tratadas pelo Código, e que tem como pressuposto básico alcançar terceiros que mantenham vínculo com o fato gerador da obrigação tributária.

Aos casos de responsabilidade tributária construída com base no arts. 124, II e 128 do CTN, cabe ao intérprete investigar se o terceiro eleito mantém relação com o fato gerador e se a situação não se encontra disciplinada pelo CTN. Confirmadas essas questões, as teses definidas nos precedentes sob exame devem ser afastadas, por ausência de similaridade entre os casos “Se, feita a comparação, o magistrado observer que não há aproximação entre o caso concreto e aquele que deu ensejo ao precedente, ter-se-á chegado a um resultado que aponta para a distinção das situações concretas (distinguish-resultado), hipótese em que o precedente não é aplicável …” (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2025, v.2. p. 493.).

5. CONCLUSÃO

Após análise detalhada do sistema de responsabilidade tributária no ordenamento jurídico brasileiro e das razões de decidir do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos da ADI 4.845/MT e do RE 562.276/PR, é possível estabelecer as seguintes conclusões:
A compreensão das três formas de atribuição de responsabilidade tributária a terceiros, não contribuintes, é fundamental para que se possa pensar e desenvolver cada instituto de forma correta, sem interseções indevidas. É preciso que a autoridade fazendária (e o operador do Direito, de modo geral), ao enfrentar o caso concreto, primeiro identifique com qual modalidade de atribuição de responsabilidade está lidando, para só então pensar sobre seu alcance e seus limites.

As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.845/MT e do RE 562.276/PR dizem respeito apenas aos casos de responsabilização com regra matriz pré-definida pelo Código Tributário Nacional no art. 135. São hipóteses de responsabilização de terceiros sem vínculo material com o fato gerador ou que com ele estabelecem vínculo em nome ou no interesse de terceiros. Para esses casos (e somente para eles), não pode o Estado de Mato Grosso legislar em sentido divergente ao seguido pelo legislador complementar nacional. Aqui, cabe ao estado federado tão somente reproduzir as regras do CTN ou destacar alguma particularidade local, sem avançar sobre terceiros que não foram inseridos nas regras matriz originárias.

Assim, os precedentes não afastam a competência do estado de Mato Grosso para dispor sobre novas hipóteses de responsabilidade tributária, desde que observe as normas gerais pré-determinadas pelo CTN, especialmente: 1) a atribuição de responsabilidade deve se dar por meio de lei em sentido formal; 2) o terceiro eleito responsável deve ter vínculo com o fato gerador, nos termos do art. 128 do CTN; 3) a hipótese deve ser distinta daquelas tratadas nos arts. 130 a 135 do Código A rigor, essa última condição é mero desdobramento da anterior. A constatação de que o responsável mantém vínculo com o fato gerador afasta o caso das hipóteses tratadas nos arts. 130 a 135 do CTN, em que o terceiro não mantém vínculo com a realização do tipo tributário (seu contato com o fato gerador, quando presente, se dá em nome ou no interesse do devedor principal)..

A competência do Estado de Mato Grosso para dispor sobre os tributos de sua competência, observadas as normas gerais definidas pelo legislador complementar, decorre diretamente das opções políticas manifestadas pelo constituinte.

É, assim, produto da autonomia política e financeira dos estados federados e manifestação de sua posição em nossa Federação. Eventual supressão dessa competência representaria violação da forma federativa de Estado, cláusula pétrea da Constituição.

É a Nota Técnica, ora submetida a consideração superior.

Unidade de Divulgação e Consultoria de Normas da Receita Pública da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos, em Cuiabá/MT, 25 de março de 2025.

Adalto Araújo de Oliveira Júnior
Fiscal de Tributos Estaduais

DE ACORDO
Andrea Angela Vicari Weissheimer
Chefe de Unidade – UDCR/UNERC

APROVADA

Erlaine Rodrigues da Silva
Chefe da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos