Órgão Consultivo

Categoria: Informações em Processos de Consulta
Número:071/2008
Data da Aprovação:05/29/2008
Assunto:Comodato
Bens Ativo Imob.
Incidência


Nota Explicativa :
Nota: " Os documentos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os textos publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais."

Texto
INFORMAÇÃO Nº 071/2008 – GCPJ/SUNOR

......, pessoa jurídica de direito privado, estabelecida na ..... em ....., inscrita no CNPJ sob o ....., por seu procurador e advogado Sr. ..........., formula consulta sobre a interpretação ou aplicação do artigo 4º, XI, “a”, do RICMS referente a não incidência ou não constituição de fato gerador do ICMS na saída física de máquinas a título de comodato.

Afirma que o fisco exige o recolhimento do ICMS referente à saída física de freezers a título de comodato quando os referidos bens não retornarem ao estabelecimento de origem no prazo de 120 dias, constituindo fato gerador do imposto a saída física de bens a título de comodato.

Expõe que o Estado de Mato Grosso, para exigir da consulente o recolhimento do ICMS nas operações de comodato de freezers fundamenta-se no Artigo 4º, XI, “a”, do RICMS e cita o dispositivo legal.

Apresenta seu entendimento sobre a matéria procurando demonstrar que a operação de saída de freezer para outros Estados a título de comodato não configura circulação de mercadoria, na medida em que estes produtos jamais saíram da titularidade da empresa consulente.

Esclarece sobre o conceito de comodato de acordo com os Artigos 579 e 581 do Código Civil citando-os textualmente e discute a impossibilidade de Lei Estadual limitar ou restringir o prazo do contrato para efeito de incidência do imposto.

Traz Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ e do Supremo Tribunal Federal – STF sobre o assunto.

Aduz que a exigência do fisco de Mato Grosso para o recolhimento do imposto sobre os contratos de comodato é totalmente ilegal e inconstitucional e, mais uma vez, manifesta sua posição em relação a proibição do fisco em restringir ou limitar o prazo do contrato de comodato para efeito de incidência ou não incidência do ICMS.

E, consulta.

1 – Está correto o procedimento (ou entendimento) adotado pela consulente, que não constitui fato gerador do imposto sobre a circulação de mercadoria a saída física de máquinas a título de comodato?

2 – Está correto o procedimento (ou entendimento) adotado pela consulente, que não ocorre a incidência do imposto a saída física de máquinas a título de comodato?

É o relatório.

Inicialmente, traz-se à colação preceitos do Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto nº 1.944, de 06.10.1989:
O Decreto nº 3.550, de 26.07.2004, que alterou o Regulamento do ICMS, com vigência de mesma data e efeitos a partir de 01.08.2004, introduziu o Inciso XVIII, no Artigo 4º, do aludido Diploma Legal, in verbis:

Posteriormente, o Decreto nº 514, de 17.07.2007, com vigência e efeitos de mesma data, alterou o Regulamento do ICMS e deu nova redação ao Inciso XVIII, do Artigo 4º, conforme descreve-se abaixo: Deflui-se do que foi apresentado que, em caso de saída de mercadoria e o seu respectivo retorno a título de comodato, não há incidência de ICMS e, a partir da nova redação do Inciso XVIII , do Artigo 4º acima mencionado, não há restrição em relação ao prazo para a devolução do produto.

Resta-nos, portanto, esclarecer se o contrato pelo qual a consulente transfere a sua mercadoria para os seus clientes no Estado de Mato Grosso pode ser considerado ou não, empréstimo a título de comodato.

Para iniciar o estudo é necessário saber que o comodato é uma forma especial de empréstimo e que tem requisitos próprios que o caracterizam definidos nos Artigos 579 a 585 do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002).

A seguir, destaca-se os Art. 579 e 581 da referida Lei que serão importantes para o estudo do tema: O empréstimo é contrato pelo qual uma pessoa entrega a outra, gratuitamente, uma coisa, para que dela se sirva com a obrigação de restituir. Pode ser de uso, o comodato; ou de consumo, o mútuo.

Comodato é, nos dizeres de Washington de Barros (Curso de Direito Civil – volume 5 – São Paulo: Saraiva, 1999), contrato unilateral, gratuito, pelo qual alguém entrega a outrem coisa infungível, para ser usada temporariamente e depois ser restituída.

A doutrina ao conceituar comodato sempre traz, como ponto de diferenciação de outras formas de empréstimos, os elementos marcantes que o caracterizam. Para o presente estudo três requisitos são essenciais para a análise da situação fática apresentada, a saber:

1. É um empréstimo de coisas não fungíveis;
É conhecido pela doutrina como empréstimo de uso. Silvio Rodrigues (Direito Civil - vol. 3 - São Paulo: Saraiva , 1999), ao estabelecer as diferenças entre coisas fungíveis e não fungíveis, leciona que “... o empréstimo de coisas fungíveis chama-se mútuo, o de não fungíveis comodato”.
A priori, deve-se ter em mente a definição que o Código Civil, em seu art. 85, dá aos bens fungíveis, que são móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Ou seja, tais categorias de bens não podem figurar como objetos do contrato de comodato.
No empréstimo de coisas infungíveis não se transfere o domínio. O emprestante detém apenas a posse, pois a propriedade continua com o emprestador, que sobre a coisa tem direito real.

2.É não-solene;

Por não ser exigida forma especial para a sua validade, podendo ser utilizada até a verbal, ele é contrato não solene.

3. É um contrato temporário, pois há intrinsecamente a obrigação de restituir, se assim não fosse, seria uma doação.
Quanto aos aspectos temporais, a normatização é encontrada no art. 581 do Código Civil, como apresentado acima. Via de regra, o comodato possui prazo certo para a restituição. Caso não possua, presume-se que seja ele o necessário para o uso concedido, a que se destina a coisa.
A restitutio deve ocorrer com o advento do fim do prazo acordado, da finalidade estipulada no contrato ou após notificação do comodante, se for o comodato por prazo indeterminado.

Com esses esclarecimentos passa-se a análise criteriosa da situação fática apresentada pela consulente:

A – Informações, trazidas na peça inaugural, essenciais para a análise

1 - O bem objeto da consulta é freezer;

2 - Não há informação sobre características específicas do produto;

3 - São destinados a contribuintes deste Estado a título de comodato;

4 - O Estado de Mato Grosso não reconhece a não incidência de ICMS da operação;

5 - Quando o bem não retorna para o Estado de origem no prazo de 120 dias a operação é tributada.

B – Análise propriamente dita do caso em estudo

1 - A não incidência prevista no Regulamento do ICMS no Artigo 4º, Inciso XVIII, não é para qualquer tipo de contrato de empréstimo, só abrangendo os de uso, legalmente definido como comodato;

2 - Para serem considerados contratos de comodato é preciso que o bem objeto da operação seja infungível, ou seja, a coisa emprestada tem de ser devolvida ao emprestador em sua individualidade, não havendo possibilidade de substituição por outra;

3 - Freezer são objetos comuns, produzidos em escala, sem características próprias que os individualizam, podendo ser facilmente substituídos por outros de mesma marca e modelo, ou seja, não podem ser considerados bens não fungíveis;

4 - A Inicial não traz informações precisas sobre os freezers objetos da consulta, como por exemplo:

- A marca, o modelo, as dimensões, as cores, o nº de portas;

- Se tem um código de fábrica que os individualizam;

- Se eles possuem alguma característica própria que os personalizam, como uma pintura especial (cor) que representa a Empresa;

- Se tem a logomarca da Consulente, e como esta se encontra fixada no bem (em forma de pintura de difícil remoção ou apenas por meio de algum cartaz colado no produto);

- Alguma garantia de que exatamente aquele bem será devolvido para a emprestante.

5 - Por isso, conclui-se que o contrato realizado pela Consulente, tem como objeto freezer comum e, por ser este um bem de consumo, não pode ser considerado comodato, sendo caracterizado como mútuo, ou seja, empréstimo de coisas fungíveis.

6 - Um contrato de comodato pode ser feito verbalmente, pois a lei não exige formalidade para a sua efetivação, porém, a Legislação Doméstica exige que para obter a não incidência do ICMS ele deve ser feito por escrito.

7 - O prazo para a restituição do bem normalmente é estabelecido no contrato, se não for, conforme estabelece o Código Civil, presume-se que seja ele o necessário para o uso concedido, a que se destina a coisa. A Legislação do Estado, acompanhando a definição da Legislação Federal não fixa prazo para a devolução do produto, permanecendo este sob o manto da não incidência enquanto durar os efeitos do comodato.

8 - Quando o contrato que recebeu o título de comodato é descaracterizado por não cumprimento das formalidades legais passa a ser considerado um empréstimo simples, com exigência diferenciada, conforme se verifica na legislação infra mencionada:

Ou seja, para esses casos é exigido um prazo de 120 dias para devolução. Passado esse período, sem que haja o retorno da mercadoria, haverá a incidência de ICMS sobre a operação.

Esclarecidos esses pontos, passar-se-á as respostas das perguntas formuladas pela Consulente na Inicial:

Em relação ao questionamento sobre o procedimento (ou entendimento) se “não constitui fato gerador (questão 1) e, portanto, não ocorre a incidência do ICMS (questão 2), na saída física de máquinas a título de comodato, a resposta é relativa, devendo-se observar:

1. Se o contrato é realmente de comodato, com todas as peculiaridades que o caracterizam;

2. Se o contrato é revestido da formalidade escrita.

Obedecidos estes requisitos a resposta as duas perguntas é positiva, caso contrário, é negativa.

É a informação, ora submetida à superior consideração.

Gerência de Controle de Processos Judiciais da Superintendência de Normas da Receita Pública, em Cuiabá – MT, 29 de maio de 2008.
José Elson Matias dos Santos
FTE - Matrícula 598.340.084

De acordo:
Fabiano Oliveira Falcão
Gerente de Controle de Processos judiciais

Aprovo. Devolva-se à GCPJ para providências.
Cuiabá – MT, 29/05/2008.

Maria Célia de Oliveira Pereira
Superintendente de Normas da Receita Pública