Órgão Consultivo

Categoria: Informações em Processos de Consulta
Número:122/2008
Data da Aprovação:07/23/2008
Assunto:Comodato
Nota Fiscal


Nota Explicativa :
Nota: " Os documentos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os textos publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais."

Texto
INFORMAÇÃO Nº122/2008 – GCPJ/SUNOR

...., empresa estabelecida na ......, Estado de Mato Grosso, inscrita no CNPJ sob o nº ....., e no CCE sob o nº .... formula consulta sobre o procedimento a ser adotado para o recebimento de veículos de transbordo em comodato em razão de o comodante não possuir Nota Fiscal.

Expõe a consulente que atua na atividade de produção e cultivo de cana-de-açúcar.

Explica que aumentou sua produção em 20% (vinte por cento), e, para atender a necessidade dessa colheita, contratou 20 veículos de transbordo em comodato.

Informa que a comodante é a empresa Rodobens Locação de Veículo Ltda, com sede social à Avenida Vicente Filizola, 5.020, Redentora, São José do Rio Preto, SP, que tem como atividade principal a locação de veículos.

Aduz que a comodante, por ser empresa de locação de veículo, não está obrigada a se inscrever no Cadastro de Contribuintes do ICMS de São Paulo e por este motivo não possui talão de Nota Fiscal.

Traz que a atividade da comodante também não pode ser juridicamente qualificada como prestador de serviço, citando jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Afirma que o contrato de comodato tem por objeto a entrega de uma coisa, para ser usada e depois restituída, assim sendo, não houve a transferência de propriedade, e não há possibilidade de emissão de nota fiscal.

Alega que o fisco mato-grossense vem exigindo a emissão de documento fiscal, nos Postos Fiscais.

Esclarece que, em cumprimento ao Regulamento do ICMS do Estado de Mato Grosso, no momento da entrada de veículo para transbordo no estabelecimento, será emitida a nota fiscal de entrada.

Esclarece ainda que acompanhará o transporte dos citados veículos as Notas Fiscais de compra, emitidas pelo fabricante para a locadora e o contrato de locação.

Ao final, faz os seguintes questionamentos:

1 – Está correto o procedimento adotado para acobertar a movimentação até o local onde se encontra o veículo de transbordo objeto do comodato?

2 – Como deverá proceder para acobertar o trânsito dos veículos de transbordo do local onde se encontram até o estabelecimento da consulente?

Por solicitação desta unidade, a consulente encaminhou cópia do contrato de comodato, objeto da presente consulta, o qual foi juntado ao processo às fls. 10 a 18.

É o relatório.

De plano, cumpre ressaltar que embora os questionamentos da consulente sejam relativos à obrigação acessória, diante da operação apresentada e dos documentos juntados ao processo, há que se proceder à análise da obrigação principal.

Inicialmente, para a análise da presente consulta, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca do instituto do comodato, o qual encontra previsão nos art. 579 e seguintes do Código civil (Lei nº 10.406/2002): Da definição do referido instituto, bem como das regras para ele estabelecidas pelo Código Civil, depreende-se que para configurá-lo devem estar presentes os seguintes requisitos:

a) gratuidade - o comodato é contrato essencialmente gratuito. O comodante não pode estipular qualquer espécie de retribuição pela cessão de uso da coisa;

b) não fungibilidade - a coisa emprestada não pode ser substituída por outra no ato da devolução;

c) tradição - o comodato só se realiza com a entrega do objeto. Enquanto não ocorrer a transferência da posse do bem, não há comodato;

d) temporalidade - a coisa emprestada deve ser devolvida após algum tempo. Seu uso há de ser temporário, do contrário seria doação;

e) unilateralidade - o comodato cria obrigações apenas para o comodatário – de conservar e de restituir o bem.

Segundo os ensinamentos do Prof. Silvio Rodrigues as principais características do contrato de comodato são “a gratuidade do negócio, a não-fungibilidade do objeto e a necessidade de sua tradição para aperfeiçoamento do ajuste” (Direito civil, parte geral, 32 ed., v.1 p. 130).(grifo nosso).

Do mesmo modo, de acordo com Washington de Barros Monteiro, as principais características do comodato são: “tem natureza de contrato, é unilateral, gratuito, real, temporário, de coisa infungível e com obrigação de restituição da coisa cedida.” (Curso de direito civil; direito das obrigações, 2ª parte, 30 ed., São Paulo, Saraiva, p. 137). (Foi destacado).

Portanto, como se observa, o comodato é o contrato unilateral, a título gratuito, pelo qual alguém entrega a outrem coisa infungível para ser usada temporariamente e depois restituída.

Ocorre que, em análise ao contrato de comodato anexado ao presente processo, verificou-se que o mesmo possui cláusula de opção de compra, conforme se transcreve a seguir:

“Cláusula 5 – da opção de compra

5.1. Apesar do caráter não oneroso do comodato ora contratado, poderá a COMODATÁRIA durante a vigência deste instrumento optar junto a COMODANTE pela compra dos transbordos por esta cedidos para sua utilização. Para tanto, como possui diversas cotas de consórcio administradas pela empresa Portobens Administradora de Consórcios Ltda, conforme relação constante no Anexo III deste contrato, se compromete a ofertar lances mensais e indicar, desde já, a COMODANTE como fornecedora dos referidos bens perante a administradora, possibilitando o pagamento do crédito consortil vigente na data da contemplação pela administradora, diretamente a si.”

Com base na cláusula acima transcrita, verifica-se que o contrato em estudo se trata de compromisso de compra e venda, no qual a entrega dos bens foi antecipada, uma vez que uma das partes é possuidora de cotas de consórcio de uma das empresas do grupo da outra parte; sendo que para o pagamento dos bens, a promitente compradora se compromete a ofertar lances mensais, até ser contemplada.

Assim sendo, o presente contrato não atende aos requisitos do comodato, quais sejam, da gratuidade, uma vez que haverá o pagamento do bem em momento futuro, e da temporalidade, pois, em sendo adquirido, o bem não será devolvido.

Corrobora ainda essa assertiva os itens 5.2 e 5.3 da mesma cláusula do contrato, que estabelecem:

“5.2 Como os créditos das cotas de consórcio da COMODATÁRIA são superiores ao valor de mercado dos respectivos transbordos, fica ajustado que quando da contemplação de cada cota, o valor do crédito consortil vigente naquela data poderá ser utilizado para a compra de mais de um transbordo, até o atingimento do valor total do crédito.

5.3 O valor de aquisição dos transbordos não poderá ser inferior ao valor de compra de cada um deles, correspondente nesta data a R$ 105.500,00 (Cento e Cinco Mil e Quinhentos Reais), devidamente corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPC-A), calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).” (grifou-se).

Conforme pode ser observado no item 5.3 da cláusula 5, acima transcrita, já foram estipulados tanto o valor da venda como o Indicador financeiro a ser aplicado para atualização desse valor na data do pagamento.

Por conseguinte, resta descaracterizada a natureza jurídica de comodato do contrato em comento, dada a sua onerosidade, uma vez que configura uma compra cujo pagamento foi adiado para momento futuro, ou seja, quando da contemplação das cotas de consórcio por meio de lances.

Vale lembrar que a natureza jurídica de um contrato deve ser inferida do efetivo teor das cláusulas avençadas e do que em concreto elas significam em sua operacionalidade, sendo irrelevante o nome ou emblema atribuído a ele pelas partes.

Nesse sentido, a Lei Complementar nº 104, de 10/01/2001, acrescentou o parágrafo único ao artigo 116 da Lei nº 5.172, de 25/10/1966 (Código Tributário Nacional), para dar à autoridade administrativa a faculdade de desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

Sendo assim, incidirá o ICMS Diferencial de alíquota, previsto no artigo 155, II, § 2º, incisos VII e VIII, da Constituição Federal, na entrada desses bens no estabelecimento do contribuinte mato-grossense, ora consulente, bem como sobre a prestação de serviço de transporte de remessa dos mesmos, por se tratar de bens destinados ao ativo imobilizado.

Na legislação tributária deste Estado, a incidência do ICMS diferencial de alíquota encontra previsão no art. 2º, §1º, incisos IV e V, da Lei nº 7.098, de 30/12/98, e o momento da ocorrência do fato gerador foi fixado no art. 3º, inciso XIII, do mesmo diploma legal, que consolida normas referentes ao ICMS, conforme se transcreve a seguir:

Com relação à empresa RODOBENS LOCAÇÃO DE VEÍCULOS LTDA (CNPJ 65.993.453/0001-01), que figura como parte no contrato, no qual esta consta como fornecedora dos bens, (vide cláusula 5, item 5.1, in fine) “...e indicar, desde já, a COMODANTE como fornecedora dos referidos bens perante a administradora, possibilitando o pagamento do crédito consortil vigente na data da contemplação pela administradora, diretamente a si.”

Dessa forma, como fornecedora dos bens, a citada empresa fica obrigada a emitir a Nota Fiscal de remessa dos mesmos a este Estado, por restar configurado no contrato em questão, operação de compra e venda, no qual as mercadorias serão entregues agora e o pagamento ocorrerá em momento futuro.

Ocorre que, em consulta pública ao Cadastro do Estado de São Paulo, através da página do SINTEGRA/ICMS na internet, (extrato fls. 20) verificou-se que esta não se encontra cadastrada como contribuinte do ICMS naquele Estado.

Portanto, a referida empresa fornecedora dos bens está irregular perante o fisco estadual do seu domicílio fiscal, realizando operações de mercancia sem a devida inscrição estadual.

Ainda no que concerne à emissão de documentos fiscais, por parte da fornecedora dos bens, o Convênio SINIEF S/Nº de 1970, publicado em 18/02/1971, celebrado pelas unidades da Federação no âmbito do CONFAZ, que dispõe sobre o Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-fiscais – SINIEF, ao tratar de normas gerais de abrangência nacional, no que concerne à emissão de documentos fiscais, estabelece a obrigatoriedade da exigência da Nota Fiscal, pelo destinatário da mercadoria. Ressalte-se, com base no mesmo Convênio SINIEF, que quando da contemplação da consulente, nas cotas de consórcio, e do conseqüente pagamento dos bens, a empresa fornecedora deverá emitir Nota Fiscal complementar da diferença de preço em razão da atualização monetária do valor dos bens prevista no contrato.

Eis o que dispõe o mencionado Convênio SINIEF sobre a obrigatoriedade da emissão de Nota Fiscal complementar: Alerta-se a consulente que sendo o procedimento adotado diverso do aqui esposado, deverá, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da ciência da presente, regularizar suas operações, inclusive com recolhimento de eventuais diferenças de imposto, ainda sob os benefícios da espontaneidade, com acréscimo de correção monetária, juros e multa de mora, calculados desde o vencimento da obrigação até a data do efetivo pagamento.

Decorrido o prazo fixado, a empresa estará sujeita a lançamento de ofício, nos termos do artigo 528 do Regulamento do ICMS deste Estado, aprovado pelo Decreto nº 1.944, de 06/10/89.

Por fim, sugere-se, em caso de aprovação, a remessa de cópia da presente, bem como cópia do processo à Superintendência de Fiscalização - SUFIS, para conhecimento e providências.

Sugere-se, ainda, a remessa de cópia da presente informação, depois de aprovada, às seguintes unidades, para conhecimento:

Gerência de Informações de Nota Fiscal de Entrada – GINF
Superintendência de Informações do ICMS – SUIC
Superintendência de Execução Desconcentrada – SUED

É a informação, ora submetida à superior consideração.

Gerência de Controle de Processos Judiciais da Superintendência de Normas da Receita Pública, em Cuiabá – MT, 22 de julho de 2008.
Marilsa Martins Pereira
FTE Matr. 167330012
Antonio Alves da Silva
Respondendo pela Gerência de Controle de Processos judiciais
Maria Célia de Oliveira Pereira
Superintendente de Normas da Receita Pública