Órgão Consultivo

Categoria: Informações em Processos de Consulta
Número:093/2021 - CDCR/SUCOR
Data da Aprovação:05/12/2021
Assunto:Devolução/Retorno de Mercadoria
Renúncia de Crédito


Nota Explicativa :
Nota: " Os documentos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os textos publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais."

Texto
INFORMAÇÃO Nº 093/2021 – CDCR/SUCOR

..., pessoa jurídica de direito privado, domiciliada na ... - MT, inscrita no CNPJ sob o nº ... e no Cadastro de Contribuintes do ICMS desta SEFAZ/MT sob o nº ..., formula consulta sobre o alcance da renúncia a créditos de ICMS, na hipótese em que especifica.

A consulente informa que:

(1) como contrapartida de seu enquadramento no Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (PRODEIC), instituído pela Lei n° 7.958, de 25 de setembro de 2003, efetuou a renúncia a créditos fiscais de ICMS (não apontou o respectivo dispositivo em específico);
(2) em algumas oportunidades, as mercadorias que revende são devolvidas pelos compradores (devolução de vendas);
(3) essas devoluções são acobertadas por documentos fiscais de emissão dos compradores (que estão devolvendo as mercadorias).

Em relação a essas devoluções, a consulente questiona se poderia efetuar o estorno do débito de ICMS gerado na venda (que foi posteriormente cancelada), na medida em que a renúncia efetuada (em seu entendimento) impediria a apropriação do ICMS destacado na nota fiscal de devolução das mercadorias.

Declara ainda a consulente que não se encontra sob procedimento fiscal iniciado ou já instaurado para apurar fatos relacionados com a matéria objeto da presente consulta, que a dúvida suscitada não foi objeto de consulta anterior já respondida, bem como que a matéria consultada não foi objeto de decisão proferida em processo administrativo já findo, em que tenha sido parte.

É a consulta.

Em função da complexidade do presente tema, separa-se a presente informação em capítulos.

1 – O ICMS E O PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE

O ICMS foi desenhado para atender o princípio da não cumulatividade, cuja finalidade é evitar o denominado “efeito cascata”, isto é, “imposto sobre imposto” e, novamente, “imposto sobre imposto” e assim sucessivamente até o encerramento da cadeia econômica do produto, quando do seu destino ao consumidor final.

A forma encontrada para respeitar o princípio da não cumulatividade foi conceder crédito de ICMS mediante as ferramentas que a legislação admite.

O princípio da não cumulatividade, de envergadura constitucional, previsto nos artigos 155, § 2°, II, e 153, § 3°, II, da CF/88, tem como fundamento a não replicação do imposto ao longo da cadeia produtiva, o chamado “efeito cascata”. Transcreve-se:


Nesse sentido, trecho de decisão do STF sobre o princípio:
Dessa forma, como já anotado, a ratio do princípio reside na intenção de se evitar o efeito cascata ao longo da cadeia produtiva de bens.

Assim, como regra, para se ter o direito ao crédito do ICMS, referente à operação de entrada de mercadoria, faz-se necessário que a saída da referida mercadoria seja tributada pelo referido imposto, tudo isso em homenagem ao princípio da não cumulatividade, afinal, se não há imposto na operação subsequente, não há que se falar em efeito cascata, tornando inviável o crédito relativo a esse tributo. Nessa trilha, é o comando do artigo 155, § 2°, II, a e b da CF/88, grifos acrescidos:
Nota-se que decisões do STF pertinentes ao tema apontam essa ratio decidendi:
Assim sendo, em regra, resta vedado o aproveitamento do crédito do ICMS quando a saída posterior é desonerada do imposto, entretanto, essa regra tem duas exceções, a saber: (a) o próprio inciso II do § 2° do art. 155 da CF/88, que prevê que legislação poderá determinar, diante de determinadas situações, a manutenção do crédito do ICMS, e (b) a segunda parte da alínea a do inciso X do § 2° do artigo 155 da CF/88, que determina que nos casos de exportação será mantido o crédito relativo às operações anteriores.

Em resumo, tem-se então que para ser possível o creditamento do ICMS relativo às operações anteriores é necessário que a operação posterior seja também tributada pelo ICMS, exceto quando a operação posterior se tratar de exportação ou se a lei expressamente prever a possibilidade do creditamento.

Nesse sentido, veja-se decisão do STF que confirma tal entendimento:
Na sequência, seguem trechos da Lei Complementar n° 87/96 e da Lei n° 7.098/98 que ratificam esse entendimento (grifos acrescidos):
Dessa forma, temos então que, em regra, o princípio da não cumulatividade não garante o crédito quando a saída posterior da mercadoria ou produto não é onerada pelo imposto, pelo fato de não haver o “efeito cascata” a ser repelido pelo instituto.

2 – Renúncia ao Crédito de ICMS

Em diversas oportunidades, a legislação do Estado de Mato Grosso condiciona a utilização de regimes de tributação (por exemplo, o diferimento do ICMS) ou benefícios fiscais (por exemplo, o Prodeic) a restrições com relação aos créditos fiscais de ICMS.

Essas restrições são mais ou menos abrangentes a depender da situação apresentada.

A título exemplificativo, na medida em que a consulente não apontou em específico nenhum dispositivo, transcrevem-se o artigo 3° do Anexo V e o artigo 4°-A do Anexo VI ambos do RICMS:


O artigo 3° do Anexo V do RICMS veda apenas os créditos de ICMS provenientes das entradas de mercadorias ou insumos utilizados na produção dos produtos beneficiados.
Já o artigo 4°-A do Anexo VI do RICMS veda o crédito fiscal decorrente de qualquer entrada tributada no estabelecimento.

Por outro lado, o inciso II do artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN) define a utilização da interpretação literal para legislação que estabelece benefícios fiscais, veja-se:
Nessa linha de pensamento, as contrapartidas a benefícios fiscais devem ser interpretadas literalmente.

Finalmente, é importante analisar a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema de renúncia ao aproveitamento de créditos fiscais:
Da leitura das decisões transcritas, verifica-se que é possível condicionar regimes ou benefícios fiscais (por exemplo, o Prodeic) à renúncia de créditos de ICMS.

Assim, se o contribuinte almejar (opção livre deste) determinado benefício ou regime que exija a renúncia a créditos fiscais, esta deverá ser obedecida.

Afinal de contas, crédito fiscal de ICMS é um direito disponível (do ponto de vista do contribuinte) e, por consequência, o contribuinte poderá abrir mão deste direito se tal ato (renúncia), em função do benefício obtido (regime de tributação ou benefício fiscal), lhe for favorável.

Entretanto, essa análise de conveniência, em optar ou não por benefício fiscal ou regime de tributação que exija a renúncia de créditos fiscais, é feita exclusivamente pelo contribuinte, quando adere, de forma livre e espontânea, ao tratamento diferenciado (exatamente o que ocorreu no presente caso).

Assim, na medida em que o próprio contribuinte optou pela renúncia aos créditos fiscais e que estes se tratam de direitos disponíveis (passíveis de renúncia), não há que se falar em violação ao princípio da não cumulatividade, ou a qualquer outro princípio.

Em síntese, crédito fiscal de ICMS é um direito à disposição do contribuinte para que este o utilize da melhor forma possível (desde que prevista na legislação) para a sua atividade.

3 – Da Operação de Devolução de Mercadorias

Demonstrada a finalidade dos créditos de ICMS, assim como a possibilidade de sua renúncia, passa-se a analisar o questionamento efetuado na presente consulta.

Relembra-se: com relação as devoluções de mercadorias, a consulente questiona se poderia efetuar o estorno do débito de ICMS gerado na venda (que foi posteriormente cancelada), na medida em que a renúncia efetuada (em seu entendimento) impediria a apropriação do ICMS destacado na nota fiscal de devolução das mercadorias.

Pois bem, no presente caso, venda de mercadorias, o fato gerador do ICMS ocorre nos termos do inciso I do artigo 2º da Lei n° 7.098, de 30 de dezembro de 1998:


Por força do disposto no § 5º do artigo 2º c/c o inciso I dos artigos 2º e 3º, todos da Lei nº 7.098/1998, também incide o ICMS na operação de devolução das mercadorias. A seguir, transcrição dos dispositivos citados:
Assim, fica claro, que tanto na operação de venda de mercadorias, quanto na operação de devolução delas, incide o ICMS, devendo o mesmo ser destacado nas respectivas notas fiscais, havendo, inclusive, CFOP´s específicos para devoluções de mercadorias.

Essa é a regra geral de tratamento das operações de devolução de mercadorias.

Definida essa premissa, o RICMS em seus artigos 657 a 660 trata do tema devolução de mercadorias (hipóteses específicas):
Da leitura dos dispositivos citados, verifica-se que a devolução citada pela consulente pode se encaixar apenas na hipótese prevista no artigo 658 do RICMS.

Conforme a narrativa: os compradores das mercadorias são contribuintes do ICMS, fato que afasta o artigo 657 do RICMS; ato contínuo, presume-se que não seja o caso de venda por marketing direto, presunção que pretere o artigo 659 do RICMS; por fim, as mercadorias foram entregues e posteriormente devolvidas, fato que repele o artigo 660 do RICMS.

Em resumo, de acordo com a exposição da consulente, o contribuinte comprador recebe as mercadorias e as devolve.

Assim, caso o contribuinte comprador esteja em outro Estado, será aplicada a regra do artigo 658 do RICMS, e caso o comprador esteja neste Estado, o RICMS não previu norma específica para o caso, devendo então serem aplicadas as normas gerais do ICMS.

O importante é que, em ambos os casos, a nota fiscal de retorno terá o ICMS destacado, em função do valor da devolução das mercadorias, devendo ser utilizada a mesma base de cálculo e a mesma alíquota aplicável na operação de venda (caso a operação seja interestadual, em virtude do artigo 658 do RICMS; caso a operação seja interna, em razão das normas gerais do ICMS).

O objetivo dessa sistemática é justamente anular o débito de ICMS gerado na venda que foi cancelada, anulando dessa forma, os efeitos tributários da operação de venda, nesse sentido, vide a conceituação trazida pelo artigo 4° das disposições permanentes do RICMS:
Desse modo, como a legislação não prevê estorno de débitos de ICMS, nesse caso admite-se o crédito de ICMS (no mesmo valor relativo ao débito) para que, como resultado, não seja necessário efetuar pagamento algum de ICMS.

Entretanto, o que deve ser feito no presente caso concreto na medida em que a consulente renunciou aos créditos de ICMS?

Como dito anteriormente, a legislação não prevê estorno de débitos de ICMS, assim, o seu entendimento de que seria possível realizar o estorno do débito de ICMS relativo às mercadorias recebidas em devolução não é procedente.

Ocorre que o crédito de ICMS decorrente da situação sui generis de devolução de mercadorias não está abrangido pelas renúncias de crédito de ICMS previstas nas normas estaduais.

As renúncias de crédito de ICMS previstas na legislação (a exemplo das expostas anteriormente), como contrapartida a regimes ou benefícios fiscais, atingem os créditos de ICMS decorrentes da aplicação do princípio da não cumulatividade. Créditos estes que, pela natureza de suas atividades, o contribuinte teria direito, a fim de se evitar o efeito cascata, em homenagem ao mencionado princípio, entretanto, abre mão, para obter determinado tratamento diferenciado, por exemplo, o benefício fiscal concedido no âmbito do Prodeic.

Nessa perspectiva, fica evidente que o crédito decorrente da situação específica (sui generis) da devolução de mercadorias não decorre da aplicação do princípio constitucional utilizado para se evitar o efeito cascata, mas sim, da necessidade de se anular os efeitos do lançamento de débito do ICMS que ocorreu no momento da venda da mercadoria que posteriormente foi devolvida, já que a legislação não permite o estorno desse débito.

Ora, não permitir o crédito fiscal nesse caso, impediria a anulação dos efeitos tributários da operação fática (venda das mercadorias) que foi cancelada ou anulada, o que equivaleria a tributar uma operação de venda cancelada ou anulada.

Por essas razões, no presente caso, a consulente não pode estornar o débito de ICMS correspondente à venda de mercadorias cancelada, entretanto, pode escriturar como crédito de ICMS (desde que destacado na nota fiscal de devolução) o valor equivalente ao débito de ICMS, de forma que o resultado de tal creditamento resulte, em relação à operação de venda cancelada, em zero, não subsistindo em relação a essa operação (venda cancelada) nenhum valor de crédito ou de débito de ICMS.

Vale lembrar ainda, que todas as normas atinentes à escrituração, ao crédito de ICMS e demais obrigações acessórias devem ser observadas.

Cabe ressalvar que o entendimento exarado na presente Informação tem aplicação até que norma superveniente disponha de modo diverso, nos termos do parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS.

Importa também registrar que não produzirá os efeitos legais previstos no artigo 1.002 e no parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS a consulta respondida sobre matéria que esteja enquadrada em qualquer das situações previstas nos incisos do caput do artigo 1.008 do mesmo Regulamento.

Por fim, alerta-se, que, em sendo o procedimento adotado pela consulente diverso do aqui indicado, deverá, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da ciência da presente, regularizar suas operações, inclusive, se devido, recolher o imposto ou eventuais diferenças, ainda sob os benefícios da espontaneidade, com acréscimo de correção monetária, juros e multa de mora, calculados desde o vencimento da obrigação até a data do efetivo pagamento.

Após o transcurso do prazo assinalado, a consulente ficará sujeita ao lançamento de ofício, nos termos do artigo 1.004 do RICMS.

É a informação, ora submetida à superior consideração, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.

Coordenadoria de Divulgação e Consultoria de Normas da Receita Pública da Superintendência de Consultoria Tributária e Outras Receitas, em Cuiabá – MT, 12 de maio de 2021.


Flavio Barbosa de Leiros
FTE

Damara Braga Almeida dos Santos
FTE
Coordenadora – CDCR/SUCOR

APROVADA.

José Elson Matias dos Santos
Superintendente de Consultoria Tributária e Outras Receitas