Órgão Consultivo

Categoria: Informações em Processos de Consulta
Número:048/99-CT
Data da Aprovação:03/26/1999
Assunto:Bens de Uso e Consumo
Crédito Fiscal
Diferencial Alíquota


Nota Explicativa :
Nota: " Os documentos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os textos publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais."

Texto
Senhor Secretário:

A empresa ...., inscrita no CNPJ sob o nº ..... e no CCE sob o nº ...., através de seu expediente identificado como CT. ...., de 18.02.99, vem expor o requerer o que segue:

1. a empresa foi notificada a apresentar DARF referente ao diferencial de alíquota de mercadorias adquiridas em outras unidades da Federação, conforme Intimação de 25.09.98;

2. informa, porém que suspendeu o recolhimento de valores relativos a diferencial de alíquota após a publicação da Lei Complementar 87/96, até porque ditos valores eram indevidamente recolhidos;

3. à vista de Intimação retromencionada, a interessada solicitou parecer de sua Assessoria Tributária, prestada por A , B , C, Sociedade de Advogados, que concluiu não ser devido o recolhimento de quaisquer valores definidos como diferencial de alíquota, nos termos do artigo 155 da Carta Magna, bem como ser absolutamente legal o aproveitamento dos créditos decorrentes de aquisições de bens de uso, consumo e ativo físico;

4. alegando que recolheu indevidamente o montante de 12.922.406,94 UFIR, solicita a devolução dos valores, corrigidos até o efetivo pagamento pela SEFAZ.

Acompanha o pedido demonstrativo designado pela rubrica “diferença de alíquota”, preparado pela requerente, consignando valores totalizados por mês, sem qualquer esclarecimento quanto às respectivas origens.

Foi juntada também cópia da Carta nº 0284/NG/1999, de 09.02.99, contendo o parecer da aludida banca advocatícia, firmado por ... , que a seguir se resume:

1. apegando-se ao disposto no artigo 20 da Lei Complementar nº 87/96, que transcreve, entendem os autores do parecer revogadas as restrições constantes do artigo 31 do Convênio ICM 66/88, afirmando que o direito ao crédito do imposto cobrado em relação a mercadorias destinadas ao uso, consumo ou ao ativo permanente restou incontestável pelas Fazendas Públicas Estaduais; antecipam que tal crédito resulta diretamente da Constituição de 1988, sendo inconstitucionais as restrições introduzidas pelo Convênio ICM 66/88;

2. contrapõem, porém, que a previsão do direito ao crédito nas hipóteses mencionadas implica a questão de saber se nas operações interestaduais mantém-se a necessidade de o contribuinte/adquirente recolher o diferencial de alíquota do ICMS, previsto no artigo 155, § 2º, inciso VII, alínea a, e inciso VIII, da CF/88;

3. explicam que a finalidade da cobrança do diferencial de alíquota era propiciar repartição do imposto devido pela operação na origem, para melhor distribuir a receita entre os Estados consumidores, uma vez que, com a determinação constitucional, haveria uma redução na arrecadação pelo Estado produtor que, proporcionalmente, seria transferida ao Estado destinatário;

4. diante da previsão constitucional, os Estados e o Distrito Federal celebraram o Convênio ICM 66/88, tratando de estabelecer, entre outras disposições, o momento da ocorrência do fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do referido diferencial (artigos 2º, incisos II e III, 5º e 21, parágrafo único, inciso XII);

5. após transcreverem os preceitos invocados, narram que tais previsões foram acompanhadas pelas legislações estaduais específicas, perdurando até a edição da Lei Complementar nº 87/96, que restou por revogar dito Convênio e, por conseguinte, provocar a necessidade de adequação das legislações estaduais;

6. acrescentam que a LC nº 87/96, ao regular integralmente a matéria do ICMS, foi omissa em relação à previsão de ocorrência do fato gerador quando da entrada da mercadoria oriunda de outro Estado, destinada ao uso, consumo ou ativo fixo, bem assim no tocante à definição do contribuinte responsável pelo recolhimento do diferencial de alíquota e a respectiva base de cálculo de sua incidência;

7. esclarecem que a omissão da Lei Complementar limitou-se às operações interestaduais de circulação de mercadorias, conservando, porém, para as prestações de serviços de transporte e de comunicação, o mesmo tratamento dispensado no Convênio ICM 66/88, prevendo pagamento complementar do imposto pelo contribuinte do Estado destinatário, através do diferencial de alíquota, reproduzindo o teor dos artigos 12, inciso XIII, e 13, inciso IX e § 3º;

8. anotam que, em relação à definição de contribuinte, a Lei Complementar não fez menção expressa ao adquirente de mercadorias oriundas de outro Estado, destinadas ao seu uso e consumo ou integração ao seu ativo fixo, como contribuinte, extraindo a ilação do artigo 4º do referido Diploma legal;

9. entendem que a falta de previsão da incidência do diferencial de alíquota não decorre de qualquer falha do processo legislativo, sendo intencional e proveniente de mudanças inseridas, formalmente, na sistemática de apuração do tributo a partir da LC nº 87/96, notadamente o reconhecimento do direito de crédito nas aquisições de bens de uso, consumo ou ativo fixo;

10. ponderam que ao se considerar a possibilidade do aproveitamento do crédito relativo às mercadorias adquiridas para uso e consumo ou ativo fixo e, em se mantendo a exigência da cobrança do diferencial de alíquota, ter-se-ia a seguinte situação prática: a parcela devida a título de diferencial de alíquota seria automaticamente passível de crédito, neutralizando, conseqüentemente, o efeito de seu recolhimento, ou, o débito relativo ao diferencial de alíquota originaria crédito de igual montante;

11. discorrem que a previsão constitucional de cobrança do diferencial de alíquota tornou-se sem efeito prático porque, mesmo que pudesse vir a ser exigido, implicaria crédito para o contribuinte;

12. asseveram que o fato de leis estaduais preverem cobrança do diferencial de alíquota não legitima sua exigência, pois é certa sua incompatibilidade com a LC 87/96;

13. reiteram que a LC 87/96 não previu o fato gerador da cobrança do diferencial de alíquota e, tampouco, o seu contribuinte e sua base de cálculo, tornando impossível a sua cobrança pelos Estados;

14. alinhavam que, em que pese a previsão constitucional do diferencial de alíquota, competiria à lei complementar, caso fosse a vontade do legislador, prever, necessariamente, os elementos essenciais acima mencionados, em face do disposto no artigo 146, inciso III, alínea a, da Constituição Federal;

15. acrescentam que, por envolver operações interestaduais, passíveis de conflitos entre os Estados, a matéria não pode ser disciplinada unilateralmente, cabendo exclusivamente à lei complementar dispor sobre a mesma (CF, artigo 146, inciso I);

16. por outro lado, julgando pertinente à matéria consultada, comentam que o direito ao crédito de ICMS relativo às aquisições de bens de uso, consumo ou ativo fixo, é anterior à edição da LC 87/96; expõem que tal direito “resulta diretamente da Constituição de 1988, sendo por conseguinte inconstitucionais as restrições introduzidas pelo Convênio ICM 66/88”; a revogação pela LC 87/96 tem caráter meramente declaratório de um direito preexistente; (mantidos os destaques do original)

17. anotam que a Constituição de 1988 proclama o princípio da não-cumulatividade (artigo 155, § 2º), dele decorrendo o direito de o contribuinte se creditar do montante total dos impostos cobrados na totalidade das aquisições anteriores, não fazendo a Constituição qualquer ressalva ou restrição no tocante à natureza ou destino das mercadorias ou serviços anteriormente tributados, notadamente por se incorporarem diretamente nas mercadorias a serem vendidas (os chamados créditos físicos) ou apenas indiretamente como bens instrumentais, bens de uso ou consumo, ou serviços (os chamados créditos financeiros);

18. sublinham que a única exceção consta do inciso II do artigo 155 (capitulação dos autores do parecer), que se refere à isenção ou não incidência, concluindo serem inconstitucionais quaisquer outras exceções ao princípio da não-cumulatividade; aduzem que a recusa de atribuição do direito ao crédito no caso de mercadorias destinadas a uso ou consumo ou a ativo permanente ofende fundamentalmente o aludido princípio, pois conduz a uma dupla imposição dos mesmos bens: uma, no momento em que são adquiridos, e outra, ou outras, no momento em que o seu valor entra como custo componente do preço dos produtos tributados;

19. ressaltam que o direito à dedução imediata dos créditos referentes à totalidade dos bens adquiridos é consagrado em todas as legislações européias que instituem imposto sobre valor agregado;

20. explicam que, quanto ao princípio da não-cumulatividade, o papel da lei complementar restringe-se a disciplinar o regime de compensação do imposto (artigo 155, XII, c – capitulação também dos pareceristas), sendo mais modesto que o atribuído por textos constitucionais anteriores que permitiam o abatimento “nos termos do disposto em lei complementar” (artigo 23, inciso II da Constituição de 67, na redação da EC 23/83); colocam que o poder de “disciplinar o regime de compensação” não comporta o de restringir o princípio da não-cumulatividade, excluindo do direito de crédito certas operações anteriores, não expressamente excluídas pela própria Constituição;

21. discorrem que o princípio da não-cumulatividade, artigo 155, § 2º, da CF, é norma auto-aplicável, de eficácia plena e imediata, do qual decorre diretamente o direito subjetivo ao crédito concernente a todas as operações anteriores, ressalvada a única exceção de isenção e não incidência; reforçam que a lei complementar pode disciplinar os métodos e mecanismos de compensação, mas não é necessária para a definição dos créditos compensáveis;

22. posicionam-se então no sentido de que o direito ao crédito do ICMS relativo às aquisições de bens de uso, consumo ou ativo fixo é anterior à previsão contida no artigo 20 da Lei Complementar nº 87/96, sendo perfeitamente plausível o seu reconhecimento por intermédio judicial.

É o relatório.

De todo o discorrido, duas questões se propõem:
1admite-se o aproveitamento como crédito do ICMS que gravou as aquisições de material de uso e consumo ou bens destinados ao ativo fixo, realizadas em períodos anteriores à Lei Complementar nº 87/96?
2é devido a parcela do ICMS referente ao chamado diferencial nas aquisições interestaduais de material de uso ou consumo ou de bens destinados a integrar o ativo fixo do estabelecimento?
A Constituição Federal de 1988, observada a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional nº 03 de 17 de março de 1993, cuidando do ICMS assevera no § 2º, inciso II, o seu art. 155:


Todavia, o próprio legislador constituinte conferiu às unidades federadas a prerrogativa de celebrar convênio, na forma da Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, para regular provisoriamente a matéria, caso não editada a lei complementar necessária à instituição do ICMS, no prazo de sessenta dias, contados da promulgação da Constituição (artigo 34, § 8º, do ADCT/CF).

Amparados por tal dispositivo, os Estados e o Distrito Federal celebraram o Convênio ICM 66/88, o qual vigorou até a entrada em vigor da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que veio dispor sobre o ICMS.

Estabelecia o artigo 31, inciso II, do Anexo Único do mencionado Convênio: Vale anotar que regras com teor semelhante constaram da revogada Lei nº 5.419, de 27 de dezembro de 1988, que instituiu o ICMS no Estado de Mato Grosso (artigo 35, inciso II), bem como do Regulamento do ICMS mato-grossense, aprovado pelo Decreto nº 1.944, de 06 de outubro de 1989 (artigo 67, incisos I e II).

Assim, durante a vigência do Convênio ICM 66/88, havia expressa vedação para o aproveitamento como crédito do imposto que onerou as entradas de material de uso e consumo e bens para o ativo fixo do estabelecimento.

Convém ressaltar que nem o preceito convenial nem aqueles encartados na legislação estadual dele derivados foram declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário. Sobre a questão ora suscitada, destaca-se que a esfera administrativa não é a seara competente para apreciar a matéria, reservada à Suprema Corte, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea a, da Carta de 1988.

Ademais, a própria Lei Complementar nº 87/96, mesmo prevendo o creditamento nas hipóteses pretendidas, evidencia que a matéria está no seu campo de regulação, porquanto ter estabelecido termos de início para fruição destes créditos. Eis a íntegra de seu artigo 33: É de se lembrar que, em consonância com o disposto no seu artigo 36, a LC 87/96, somente entrou em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte aos da sua publicação, ou seja, em 1º de novembro de 1996.

Por conseguinte, não se há falar em aproveitamento de crédito nas hipóteses pretendidas pela requerente, em períodos anteriores à edição da referida Lei especial, por absoluta vedação legal.

Destarte, impõe-se que se INDEFIRA a autorização para aproveitamento dos créditos requeridos.

Em que pese esgotado o exame da matéria objeto do requerimento, preocupa, ainda, a informação prestada pela contribuinte quanto ao fato de ter suspendido o recolhimento do diferencial de alíquota a partir da publicação da Lei Complementar nº 87/96.

Ainda que aquela Lei Complementar tenha previsto a possibilidade de aproveitamento do crédito nas hipóteses de aquisição de ativo permanente (desde 1º de novembro de 1996) e de material de uso e consumo (a partir de 1º de janeiro do ano 2000), não houve dispensa do recolhimento desta parcela do imposto, constitucionalmente reservada aos Estados destinatários, quando tais bens e materiais forem adquiridos em outras unidades federadas.

Tanto é que a Lei nº 7.098, de 30 de dezembro de 1998, que atualmente dispõe sobre o ICMS neste Estado tratou da matéria em seus artigos 3º, incisos XIII e XIV; 6º, inciso IX; 13, inciso III; 15, inciso II e § 1º; 20, § 3º; 23, inciso III, alínea c.

Quanto a constituir dita parcela crédito do imposto, não há embasamento legal abrigando a pretensão. Ao contrário, a mesma Lei 7.098/98 veio afastar qualquer dúvida que ainda pudesse existir, estatuindo expressa vedação, nos termos do seu artigo 25, § 6º, combinado com o artigo 15, § 1º.

Destarte, caso seja outro o procedimento adotado pela requerente, deverá a mesma, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da ciência da presente, efetuar as necessárias adaptações para observância do que aqui se discorreu, inclusive com recolhimento de eventuais diferenças do imposto, ainda com os benefícios da espontaneidade (acréscimos de atualização monetária e juros de mora, calculados desde a data do vencimento até o efetivo pagamento, e multa de mora).

Após o transcurso do prazo estabelecido, ficará a empresa sujeita a lançamento de ofício, nos termos do artigo 528 do Regulamento do ICMS.

É o que cumpria informar, ressalvando que, caso seja a presente Informação aprovada, deverá ser remetida cópia à Coordenadoria de Fiscalização, para conhecimento e acompanhamento pelo Setor competente.

À consideração superior.

Gerência de Legislação Tributária da Coordenadoria de Tributação da Secretaria de Estado de Fazenda, em Cuiabá – MT, 26 de março de 1999.
Yara Maria Stefano Sgrinholi
FTE
De acordo:

José Carlos Pereira Bueno
Coordenador de Tributação