Órgão Consultivo

Categoria: Informações em Processos de Consulta
Número:280/95-AT
Data da Aprovação:07/03/1995
Assunto:Energia Elétrica
Imunidade
Órgãos Públicos


Nota Explicativa :
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Texto
Senhor Secretário:

A interessada, louvando-se em parecer emitido pela .... Estadual do INSS em Mato Grosso (doc. anexo), requer o fim da cobrança do ICMS que incide normalmente nas operações com energia elétrica e nas prestações de serviços de telecomunicações, quando a entidade figurar como adquirente ou tomadora. Ampara sua pretensão na imunidade recíproca conforme previsto no art. 150, VI, § 20, da CF/88. Solicita, ainda, esclarecimentos acerca do procedimento que deve seguir para reaver o montante que já foi pago em face da situação enfocada.

Como resposta, pode-se assegurar que o tema já foi objeto de inúmeras manifestações doutrinárias e jurisprudências, prevalecendo o entendimento no sentido da legitimidade da incidência do imposto estadual na hipótese vertente.

O ICMS, assim como o antigo ICM, é um imposto, dentre outras características, real e indireto, qual seja, incide sobre mercadorias, produtos, bens e serviços e na sua técnica encerra duas categorias de contribuintes: o de “jure”, que paga o montante devido ao fisco; e de fato, aquele que suporta a carga tributária em decorrência do fenômeno da repercussão.

O fornecimento de energia elétrica configura uma operação de circulação de mercadoria, fato gerador do imposto desde o ICM. A prestação de serviço de telecomunicação (telefone), caracteriza fato gerador do imposto a partir da entrada em vigor do atual sistema tributário nacional em 1º de março de 1989.

Quem tem a obrigação legal de recolher o tributo é o contribuinte de direito, “in casu”, o que fornece a mercadoria energia elétrica ou presta o serviço de telecomunicação.

Ocorrido os dois fatos geradores mencionados, surge, para o contribuinte de direito, a obrigação de pagar e, como conseqüência, o crédito tributário para o Estado. Se não houver previsão de exclusão da tributação para esses casos, não pode o contribuinte de fato, mesmo que seja um ente público, impedir a exação fiscal e o devido recolhimento por parte de quem praticou as respectivas hipóteses de incidência, mesmo que se trate de pessoa política.

A chamada imunidade recíproca, que coloca as esferas de governo e suas autarquias e fundações ao largo da incidência de impostos, é um instituto de caráter personalíssimo e só se refere a essa espécie de tributo e quando recai sobre a renda, o patrimônio e os serviços.

O Código Tributário Nacional distribui no título III do Livro Primeiro os impostos em três grandes grupos: Impostos sobre o Comércio Exterior (Capítulo II); Impostos sobre o Patrimônio e Renda (Capítulo III); Impostos sobre a Produção e Circulação (Capítulo IV) e Impostos Especiais (Capítulo V).

Desse modo, estão excluídos da imunidade, no caso sob exame, o II, o IPI, o IOF e o ICMS, independentemente de estar o ente público na condição de contribuinte de “jure” (realizador da operação ou prestador do serviço) ou contribuinte de fato (adquirente da mercadoria ou usuário do serviço).

Quando a pessoa governamental ou estatal é o contribuinte de direito (na situação em debate a CEMAT e a TELEMAT), a incidência do ICMS é aceita até mesmo pela minoria dos tributaristas que pretende alargar os efeitos da imunidade recíproca.

Aliás, o art. 150, § 3º do Texto Constitucional já prevê que a imunidade não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, em que haja contra prestação em pagamentos de preços as tarifas pelo usuário, como é o caso das entidades que fornecem energia elétrica ou prestam serviços de telecomunicações. A incidência, como já se disse, independe da condição do destinatário da mercadoria ou serviço.

Nessa linha de pensamento, o magistério do emitente jurista Hugo de Brito Machado:

“A imunidade das entidades de direito público não exclui o imposto sobre produtos industrializados (IPI), ou sobre circulação de mercadorias (ICMS), relativo aos bens adquiridos. E que o contribuinte destes é o industrial ou comerciante, ou produtor que promove a saída respectiva. O Supremo Tribunal Federal já decidiu de modo contrário, mas reformulou sua posição.

O argumento de que o imposto sobre produtos industrializados (IPI), assim como o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS), não incidem na saída de mercadorias que o particular (industrial, comerciante em produtor) vende ao Poder Público, porque o ônus financeiro respectivo recai sobre este, não tem qualquer fundamento jurídico. Poderia ser válido na ciência das Finanças. Não no Direito Tributário.” Curso de Direito Tributário, 5ª ed. pag. 186/7, editora Forense, RJ - 1992.

Com o mesmo entendimento o tributarista Nelson Leite Filho:

“A imunidade, assim como a isenção, não se transmitem a outrem,; assim, para exemplificar, se adquire mercadoria duma pessoa imune (INPS “verbi gratia”), não irá a entidade pagar imposto algum nessa transação, agora, se em vendo para essa entidade, pago os tributos devidos, como no caso em que realizo serviços pessoais a ela, sou devedor, então do ISS ou do ICM, ou do IPI, acaso incidentes sobre o fato típico, ou seja, se não existe lei excluindo a incidência. Aliás voltamos a jurisprudência sumulada pelo STF para encontrar o sentido da Sumula 591:

‘A imunidade ou a isenção tributária não se estende ao produtor do imposto sobre produtos industrializados.’ “- Da incidência e não Incidência - Isenção e Imunidade – 1ª ed., pag. 143, ed. LEUD, SP- 1986.

Idem, Sacha Calmon Navarro Coelho:

“A jurisprudência da Suprema Corte brasileira atualmente prestigia o entendimento que vimos de esposar, contra a teoria de Baleeiro, mormente no que tange a extensão da intergovernamental recíproca a impostos outros que não os incidentes sobre os fatos: renda, patrimônio e serviços, conforme a sistemática do Código Tributário Nacional. Especialmente, afasta do âmbito protetor da imunidade os chamados impostos indiretos” (terminologia da ciência das finanças) admitindo a repercussão tributária sobre pessoa de direito público, sem que isso possa atrair a aplicação da regra imunitória (em que pesem algumas esparsas decisões contrárias).

Vejamos agora casos práticos. Se a Acesita - em Minas Gerais - vende aço inoxidável para fábricas de armas do Exército, Marinha ou Aeronáutica, nem por isso deve fazê-lo sem ICMS. Se o fizesse ficaria responsável pelo imposto mais multa de 100%. O Estado - membro não reconhece a imunidade, nem dá isenção.” Comentários a Constituição de 1988 - SP 1991, pag. 348.

Idem, Luiz Fernando Gama Pellegrini:

“A energia elétrica a partir de março de 1989, passou a categoria de mercadoria, incidindo sobre ela o ICMS, que conseqüentemente é debitado aos consumidores.

Tratando-se no entanto de tributo indireto, e sem qualquer relação com o patrimônio, renda das pessoas imunes, não vemos qualquer possibilidade de que a sua incidência seja obstada pela imunidade constitucional.” Jornal “O Estado de São Paulo” pag. 43, 06 de agosto de 1989.

A seguir, algumas ementas e excertos de decisões judiciais sobre o tema:

“Imunidade Fiscal Recíproca.
Princípio não aplicado. - Compra de mercadorias por pessoa jurídica de direito público, para seu uso - Pretendido não pagamento do imposto sobre produtos industrializados - Recurso Extraordinário conhecido e provido para cassação de segurança - Inteligência do art. 20,111, ‘a’, da constituição do Brasil de 1967.

A imunidade fiscal recíproca não tem aplicação na cobrança do IPI. O contribuinte “de jure” é o industrial ou produtor. Não é possível apor a ‘realidade econômica’ a ‘forma jurídica’, para excluir uma obrigação fiscal precisamente definida em lei. O contribuinte de fato’ é estranho a relação tributária e não pode alegar a seu favor a imunidade recíproca” (STF RE nº 71.300 - SP) in op. cit. “Da incidência ...“ pag. 147.

“Dizendo-se contribuintes de direito (por lei, têm o dever de recolher o tributo), na qualidade de concessionárias de energia elétrica, querem as autoras a declaração de inexigibilidade do ICMS sobre a energia elétrica fornecida aos Municípios discriminados às fls. 138, apoiada na regra do artigo 150, inciso VI, a, da Constituição da República de 1988 (‘sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros’).

Em que pese a alegação de que, além do fornecimento de energia elétrica a consumidores residenciais, industriais e comerciantes, os Municípios também consomem produto para conclusão de seus objetivos sociais, de toda ordem, desde a iluminação pública até a movimentação de máquinas e equipamentos (fls. 138), não há como escapar às anotações da Fazenda do Estado (fls. 191), no sentido de que a imunidade é prerrogativa dos Municípios e só a estes, titulares do direito, a lei confere legitimidade para pleitear a não cobrança do ICMS.

Faltava e falta às autoras legitimação para se insurgirem contra a cobrança do ICMS aos Municípios, ainda que, como em relação aos outros consumidores, tenham o dever legal de recolher o tributo.” TJ - SP, Ap. Cível nº 200.668-2 - SP, Lex, JTJ, 142/77.

A vista do exposto é a presente informação, SMJ, pela improcedência do pedido.

Cuiabá-MT, 03 de julho de 1995.

José Carlos Pereira Buenos
Assessor Tributário