OBJETIVO DO DECRETO:
Ora, o objetivo precípuo da norma está estampado já no seu caput: obrigar o remetente localizado em outra unidade a inserir no Sistema de Informações de Notas Fiscais de Saída e de Outros Documentos Fiscais, os dados relativos às respectivas operações ou prestações.
O registro das operações no aludido Sistema possibilita ao fisco conhecer, antecipadamente, as operações que destinem mercadorias a Mato Grosso, de forma que possa acompanhar o seu desdobramento. Por esse método, o Estado já controla as remessas de mercadorias para exportação, diretamente ou em operações equiparadas, bem como as operações com produtos primários relevantes para economia estadual, para a arrecadação tributária e, até mesmo, para o meio ambiente, como açúcar, algodão, soja, madeira, combustíveis.
Com a edição do Decreto n° 2.033/2009, o Estado de Mato Grosso almeja, também, controlar as operações descritas nos incisos do caput do artigo 216-M-1 do RICMS. A Administração Tributária necessita desse controle porque, no mais das vezes, como já discorrido no subitem 1.2, ocorrem práticas irregulares, protegidas por essas operações, tais como:
- destinatários mato-grossenses que, em suma, são contribuintes de fato, adquirindo mercadorias para revenda, ao largo da tributação;
- contribuintes estabelecidos que, às escondidas, intermedeiam aquisições diretas, para omitirem a operação de saída que, ao final, ocorre no território mato-grossense.
Salienta-se que as faculdades de instituir o controle e exigir o registro da operação são derivadas do princípio da autonomia federativa do Estado, inserindo-se entre mecanismos necessários à sua auto-organização. O comércio virtual não se sobrepõe ao arquétipo estatal, não lhe sendo dado ignorar as regras de funcionamento e estruturação das unidades federadas da localização dos partícipes na transação.
Convém lembrar que a Lei n° 7.098, de 30 de dezembro de 1998, em seu artigo 17, inciso III, prevê a obrigação de o contribuinte exibir ou entregar ao fisco, quando exigido pela legislação ou quando solicitado, os livros e documentos fiscais, assim como outros elementos auxiliares relacionados com a condição de contribuinte do imposto. (sem os grifos no original)
APLICAÇÃO DO DECRETO NÃO ALTERA O FLUXO DA TRIBUTAÇÃO, PREVISTO PELA CONSTITUIÇÃO EM VIGOR:
Se os destinatários se encontram no território mato-grossense, se a mercadoria por aqui transita, não há óbice que se estabeleçam obrigações para o remetente no sentido de se conhecer e monitorar, previamente, a operação até o destino efetivo da mercadoria. Ao contrário: a regra do caput do artigo 216-M-1 do RICMS expressa o exercício da prerrogativa outorgada pelo transcrito inciso III do artigo 17 da Lei n° 7.098/98.
Todavia, o controle estabelecido por nenhuma forma altera o fluxo da tributação, respeitando-se a incidência do imposto como desenhada na Carta Constitucional, ou seja, se destinado o bem ou mercadoria a não contribuinte deste Estado, mantém-se a tributação pela alíquota interna da unidade federada de origem.
Basta rápida passada de olhos pelo artigo 216-M-1 do RICMS para se constatar que este não contempla regras de preenchimento de Nota Fiscal (qualquer que seja a sua modalidade de emissão), não orienta sobre destaque do imposto, ou definição de alíquotas ou composição de base de cálculo. Em resumo, a tributação há de ser observada nos termos do ordenamento jurídico vigente, com respeito às normas com ele harmonizadas, adotadas na unidade federada de origem.
DA INSCRIÇÃO ESTADUAL:
É de se destacar que a inscrição estadual exigida na hipótese em comento poderá ser obtida em conformidade com o § 5º do artigo 216-M-1 do RICMS, que, como se discorrerá em tópico específico, não acarreta qualquer obrigação adicional ao contribuinte.
Em síntese, a obrigação de registrar a operação não é insuperável, sendo conferidas alternativas aos remetentes de mercadorias a este Estado que vão desde a utilização de NF-e para acobertar a operação, procedimento de uso já tão alastrado, inclusive com Sistema gerador, gratuitamente disponibilizado ao interessado, até a manutenção de inscrição de estabelecimento no Cadastro de Contribuintes deste Estado.
Em momento algum, o remetente foi compelido ou, sequer, induzido a se estabelecer fisicamente no território mato-grossense, tanto que a inscrição estadual é concedida para o estabelecimento no endereço em que estiver situado na unidade federada de sua localização.
DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL:
Conforme inúmeras vezes foi asseverado no curso da presente, o objetivo precípuo do artigo acrescentado ao RICMS pelo Decreto n° 2.033/2009 é a obtenção das informações sobre as operações praticadas; não a exigência de imposto delas decorrentes. Busca-se, sim, o controle dessas operações, em esforço para impedir a lesão ao Estado na etapa subseqüente. Tanto é que somente se cogita da antecipação do imposto na forma prevista no § 2º do artigo 216-M-1 do Estatuto regulamentar mato-grossense, quando a operação estiver revestida de mácula que afete a sua segurança, fidedignidade validade ou legalidade.
O § 1º do atacado artigo 216-M-1 do RICMS traz o conjunto de situações que autorizam a exigência antecipada do imposto. São nove hipóteses, todas despidas, em maior ou menor grau, da necessária licitude: operação irregular ou inidônea; operação não registrada, previamente, no sistema referido no caput; operação cujo remetente ou destinatário esteja em situação irregular ou não seja inscrito no Cadastro de Contribuintes do Estado; operação cujo remetente esteja enquadrado em regime administrativo cautelar embasado nos artigos 444 e 445 do RICMS; operação cuja habitualidade ou volume de mercadoria seja indicativo de intuito comercial do destinatário não inscrito no Cadastro de Contribuintes do Estado; operação favorecida por incentivo ou benefício fiscal concedido à revelia do CONFAZ; operação desacompanhada do comprovante de inserção dos respectivos dados no Sistema de que trata o caput, exigido no artigo 216-N do RICMS; operação cuja documentação fiscal não foi apresentada ao fisco no prazo regulamentar, quando da entrada da mercadoria no território estadual; operação com valor que caracteriza subfaturamento ou preço aviltado ou, ainda, conferindo desconto que implique aviltamento do preço.
A exaustão das hipóteses deixa claro que a antecipação do imposto não é e nem pode ser regra; sua aplicação tem caráter excepcional e de proteção à efetividade da realização da receita pública. Com base no invocado § 1º do artigo 216-M-1 do RICMS, a exigência da antecipação do imposto, nos moldes do § 2º do mesmo artigo, somente se justifica quando verificada circunstância que revele lesão, ainda que em potencial, ao Erário, seja em função da situação do remetente, seja em função da situação do destinatário, seja em função das características da operação (volume, habitualidade, preço, desconto), seja em função da respectiva documentação legal (ou de sua falta ou intempestividade na sua apresentação).
É de se apontar que a regra do comentado § 1º em muito pouco inovou. Com exceção das hipóteses arroladas nos seus incisos II e VII que são decorrentes da inobservância do disposto no caput do próprio artigo 216-M-1, as demais já estavam – e continuam – inseridas em outros textos normativos e, por vezes, até mesmo no corpo do Estatuto regulamentar do ICMS.
Basta lembrar que é a própria Lei n° 7.098/98, que consolida normas referentes ao ICMS neste Estado, que considera como contribuinte do imposto qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (v. artigo 16).
Além disso, se a mesma Lei n° 7.098/98, por uma vertente, impõe ao contribuinte a obrigação de recolher imposto (v. artigo 17, inciso XI), por outra, confere à Administração Tributária o poder-dever de buscar o seu recolhimento, tanto que asseverou no seu artigo 34:
“Art. 34 Em casos especiais e objetivando o cumprimento da obrigação tributária e a garantia da arrecadação, a autoridade administrativa poderá, de ofício e na forma regulamentar, estabelecer regime especial para pagamento do imposto.” (Foi destacado).
A prerrogativa legal está sincronizada com as disposições do artigo 194 do CTN, em decorrência do qual a lei regulará a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da aplicação da legislação tributária.
Verifica-se, pois, que, no § 1º do artigo 216-M-1 do RICMS, há justificativas para cobrança do imposto antecipado que não se vinculam apenas a operações e prestações cuja aquisição ocorrer a distância ou de forma não presencial no estabelecimento remetente ou pelas quais se destinem mercadorias a pessoa jurídica não contribuinte do ICMS ou pessoa física domiciliada neste Estado. Em essência, há a combinação dessas circunstâncias com outras, as quais, por si só, já imporiam a antecipação do imposto.
DA LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DO IMPOSTO ANTECIPADO:
Também na Lei n° 7.098/98 repousa o sustentáculo legal para cobrança antecipada do imposto, nos termos do § 2º do artigo 216-M-1 do RICMS, como prenunciado no § 3º do respectivo artigo 3º da referida Lei, observada a redação conferida pela Lei n° 8.628, de 29 de dezembro de 2006:
“Art.3º .......................................................................................................
§ 3º Poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, conforme disposto na legislação tributária, relativamente a determinadas operações, prestações, atividades ou categorias de contribuintes.
..............................................................................................................................”
Por força do indigitado parágrafo, poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto em decorrência de determinadas operações ou prestações, na forma prevista na legislação tributária.
Ora, foi a própria Lei que norteia o ICMS neste Estado que remeteu à legislação tributária a especificação das operações sujeitas à antecipação do imposto, restando, pois, ao Decreto fazê-lo.
Dessa forma, exclusivamente diante da caracterização de hipótese arrolada no § 1º do artigo 216-M-1 do RICMS ou, por inferência, diante da constatação de descumprimento pelo contribuinte de obrigação tributária catalogada, suscita-se a cobrança antecipada do imposto.
À clareza solar, verifica-se que o conteúdo do artigo 216-M-1 do Regulamento do ICMS agasalha-se no § 3º do respectivo artigo 3º da Lei n° 7.098/98. O texto regulamentar não inova, não extrapola e não afronta os limites do preceito legal que o sustenta. Portanto, não há qualquer mácula no preceito regulamentar discutido, inserido por Decreto, porque mantém estreita harmonia com a Lei em função da qual foi editado, na exata abrangência autorizada pelo artigo 99 do CTN:
Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.