“Preambularmente, para elucidação das questões suscitadas, e com o escopo de determinar regime jurídico aplicável, faz-se necessário esclarecer que a natureza jurídica do adicional do imposto do ICMS destinado ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FECEP) é a mesma do ICMS em si.
Os Fundos de Combate e Erradicação da Pobreza, instituídos pelas unidades federativas e pelo Distrito Federal, cujo financiamento advém de alíquota adicional de ICMS, foram convalidados por meio da Emenda Constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000.
A referida emenda promoveu alteração no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, introduzindo o artigo 82, o qual autorizou aos Estados e ao Distrito Federal a prerrogativa de instituírem adicionais de até dois pontos percentuais na alíquota do ICMS incidente sobre mercadorias supérfluas, conforme se observa da redação abaixo:
Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação de sociedade civil. (Acrescentado pela EC 31/00)
§ 1° Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2°, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição. (Nova redação dada pela EC 42/03)
(...).
Percebe-se que a autorização da própria Constituição Federal em destinar certo percentual adicional da receita do ICMS, incidente sobre operações com mercadorias classificadas como supérfluas, constitui uma exceção ao princípio da não vinculação de impostos para órgão, fundo ou despesa estampado no art. 167, IV, da CF/88.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a questão da vinculação das receitas de impostos para a formação do fundo de combate à pobreza, na Ação Cível Originária (ACO) 775, assentou que em “se tratando de exceção constitucional à vinculação e à repartição de receita tributária da espécie de imposto, exatamente para cumprimento de exclusivo e excepcional escopo de implementação de políticas públicas e de ações voltadas à melhoria da qualidade de vida, empregar tais recursos em desconsideração aos apontados propósitos, desnatura, rigorosamente, o intento e a vontade constituinte.
Assim, em harmonia com os preceitos constitucionais citados, no âmbito do Estado de Mato Grosso, o Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FECEP) foi instituído, por meio da Lei Complementar nº 144, de 22 de dezembro de 2003, a qual, em seu artigo 5º, definiu as receitas que, inicialmente, o constituíam, a saber:
Art. 5º Constituirão receitas do Fundo:
I - recursos oriundos do Governo Federal e da Administração Pública Estadual, direta e indireta, recebidos diretamente ou mediante convênios;
II - dotações orçamentárias próprias e recursos adicionais que a lei lhe vier destinar;
III - doações, auxílios e contribuições de terceiros, de qualquer natureza, que poderão ser prestados por pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, instaladas no País ou no exterior.
IV - os valores recolhidos, correspondentes ao adicional de 2% (dois por cento) às alíquotas previstas na alínea b do inciso IV e nos incisos V e IX do Art. 14 da Lei nº 7.098, de 30 de dezembro de 1998.
Portanto, resta evidente que o adicional de ICMS cobrado com a destinação específica ao FECEP, não possui natureza jurídica diversa, senão a do próprio ICMS. Destarte, possuindo a mesma natureza jurídica do que lhe serve de referência, submete-se, por conseguinte, às mesmas regras constitucionais e legais que norteiam o referido imposto.
Impende salientar que, nos termos do artigo 4° do Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172/1966), a destinação legal do produto da arrecadação é irrelevante para caracterizar sua natureza jurídica:
Art. 4° A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.
Nesta seara, estando o adicional do ICMS sujeito às mesmas regras que disciplinam o imposto, não há dúvidas de que a essa parcela aplicam-se os princípios que norteiam a cobrança do imposto, bem como as penalidades incidentes no caso de não cumprimento da obrigação tributária, seja ela de natureza principal ou acessória.
Todavia, convém destacar que o valor efetivamente arrecadado, correspondente ao percentual do adicional deve ser, conforme previsão da parte final do § 1° do artigo 84 do ADCT/CF, integralmente repassado ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza, sobre o mesmo não incidindo qualquer repartição.
Nessa esteira, a apuração e o recolhimento do adicional do ICMS vinculado ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza, a fim de atender sua destinação constitucional, devem ocorrer apartadamente da apuração e recolhimento do ICMS “normal”, cuja receita não é afetada.
Feitas essas considerações, passa-se a resposta dos questionamentos apresentados.
1. O adicional, previsto no inciso IV do artigo 5º da LC 144/2003 e também no § 9º do artigo 14, todos da Lei 7098/98, majoram as alíquotas do ICMS, ou agregam o FECEP a obrigação principal?
R: Conforme já explicitado, o adicional às alíquotas de ICMS tem a mesma natureza jurídica do imposto, ou seja, a este percentual se aplicam todas as regras da legislação do ICMS. Portanto, a este percentual devem ser observadas as mesmas disposições previstas para a obrigação principal, proporcionalmente, inclusive se for passível de aplicação de penalidades por descumprimento de alguma norma.
2. Ao deixar de recolher o FECEP, em uma ação fiscal, o contribuinte passa a dever o ICMS?
R: Caso o contribuinte deixe de recolher apenas o FECEP, o recurso continuará sendo destinado a essa finalidade, no entanto, ao valor adicional devido deverá ser aplicado o que for pertinente a débito de ICMS, ou seja, observando-se as regras que seriam aplicáveis caso houvesse falta de recolhimento de ICMS. Note-se que o que se cobra é um adicional de ICMS que é destinado constitucionalmente ao FECEP, sendo que este valor adicional é destinado apenas ao Fundo, portanto, o recurso continuará tendo sua destinação constitucional.
3. Em caso negativo ao item 2, continuaria devendo o FECEP?
R: Ao deixar de recolher o FECEP, o contribuinte deixa de cumprir exigência da legislação, assim, deixa de recolher o adicional de alíquota de ICMS que é destinado ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza, portanto, o valor adicional devido deve ter o mesmo tratamento que seria dado ao débito de ICMS em si, pois tem a mesma natureza jurídica do imposto. Nestes termos, ele continua devendo o adicional de ICMS, mas cuja destinação está vinculada constitucionalmente ao mencionado Fundo.
4. Em caso de passar a dever o ICMS, a cobrança seria única na alíquota majorada ou de forma destacada (mesmo sendo ambas ICMS)?
R: Como já abordado, o adicional é sujeito às mesmas regras e aos mesmos princípios aplicáveis ao ICMS. No entanto, deve-se observar sempre o § 1° do artigo 84 do ADCT/CF, ou seja, o adicional deve ser integralmente repassado ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza, sendo que sobre este não pode incidir qualquer repartição. Assim, qualquer cobrança que envolva o adicional destinado ao mencionado Fundo deverá ocorrer de forma destacada (ICMS e adicional devem ser recolhidos em códigos de receita próprios, pois serão depositados cada um em sua própria conta), tendo em vista a destinação obrigatória, prevista na Constituição Federal.
5. Em caso de passar a dever o FECEP, a exigência em ação fiscal, seria apenas com a SELIC ou aplicaria as penalidades do inciso I do art. 47-E da Lei estadual nº 7.098/98
R: Destaca-se novamente que se aplicam todas as regras e princípios, previstos na legislação do ICMS, ao valor de adicional à alíquota que compõe a receita do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FECEP). Portanto, se for caso de aplicação de penalidade, prevista no citado artigo, será aplicado tanto ao valor de ICMS, como ao adicional à alíquota, entretanto, tanto o adicional como a proporcionalidade da penalidade aplicada, serão destinados ao Fundo, cujo recolhimento deve ser destacado, ou seja, no código de receita próprio do FECEP, para que os recursos sejam alocados à respectiva conta do Fundo.”