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NOTA TÉCNICA Nº 54/2025 - UDCR/UNERC

NOTA TÉCNICA:

ASSUNTO:

54/2025 - UDCR/UNERC

No âmbito do Estado de Mato Grosso, a base de cálculo do ITCD incidente sobre as transmissões causa mortis ou doações de bens móveis é dada pelos artigos 9º a 18-A da Lei Estadual nº 7.850/2002, e regulamentada, no âmbito infralegal, pelos artigos 11 a 24 do Decreto Estadual nº 2.125/2003, que aprovou o Regimento do ITCD.

O art. 9º, caput, da Lei Estadual 7.850/2002 estabelece que a base de cálculo do ITCD é o valor venal do bem ou direito transmitido ou doado, enquanto seu parágrafo único esclarece que se considera valor venal o valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão pela sucessão ou doação. A adoção do valor venal do bem como base de cálculo dos tributos que incidem sobre a aquisição, manutenção e circulação da propriedade possui fundamento constitucional: em uma economia de mercado, o valor venal do bem, correspondente a seu valor de mercado na data da ocorrência do fato imponível, corresponde à riqueza manifestada pelo contribuinte. Tratase de previsão que realiza, no âmbito legal, os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária.

O art. 17, por sua vez, é um dos dispositivos da Lei nº 7.850/2002 que apresenta critérios de apuração da base de cálculo do ITCD estabelecida no art. 9º, caput e parágrafo único. O dispositivo enuncia critério de apuração do valor venal especificamente de ações ou quota sociais não negociadas em mercado organizado de valores mobiliários.

A nova redação do art. 17 da Lei nº 7.850/2002, dada pela Lei Complementar Estadual nº 798/2024, deve ser interpretada à luz da unidade lógica do sistema jurídico, com especial destaque para a eficácia interpretativa, integrativa e bloqueadora dos princípios da capacidade contributiva, da isonomia tributária, da praticabilidade e da neutralidade fiscal.

Segundo o dispositivo legal, o valor patrimonial da ação ou quota social deve ser obtido do balanço patrimonial da entidade. Caso o valor informado pelo contribuinte se afaste do valor venal das quotas ou ações sociais (valor corrente de mercado), compete ao Fisco efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações da entidade, visando à determinação do valor venal dos direitos transferidos ou doados (nos termos da competência atribuída pela parte final do art. 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002 e pelo art. 148 do Código Tributário Nacional).

No levantamento, devem ser considerados não apenas bens e direitos, mas também obrigações da entidade, em atenção à equação que orienta o patrimônio contábil da entidade (Patrimônio Líquido = Bens + Direitos – Obrigações). O levantamento de bens, direitos e obrigações deve ser realizado pelo Fisco mediante procedimento de auditoria contábil e financeira, com aplicação de técnicas contábeis destinadas a testar os itens e os saldos das contas, a fim de verificar se as informações produzidas pela entidade traduzem efetivamente sua posição patrimonial na data do fato gerador.

Entre os critérios definidos pelas normas técnicas contábeis, o método do valor justo, disciplinado pelo pronunciamento técnico nº 46 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, constitui o mais adequado para a apuração do valor venal de bens, direitos e obrigações.

Excepcionalmente, quando, em razão de especificidades do item patrimonial avaliado, o método do valor justo não for o mais adequado para a apuração de seu valor de mercado na data do fato imponível, outros critérios contábeis podem ser utilizados, como o método do valor realizável líquido (específico para estoques, à luz do disposto no Pronunciamento Técnico nº 16 do CPC).

Especificamente quanto à avaliação de bens imóveis ou de direito a eles relativos, deve-se observar ainda o piso estabelecido no artigo 15 da Lei nº 7.850/2002: quando urbano, o valor fixado para o lançamento do IPTU; e, quando rural, o valor fixado para o lançamento do ITR.


Em atenção à solicitação feita pela Superintendência de Fiscalização, nos termos do art. 56, inciso VIII, do Regimento Interno da SEFAZ/MT, aprovado pelo Decreto Estadual nº 1.445/2025, esta Nota Técnica objetiva fornecer orientação técnica quanto à interpretação da legislação tributária, especialmente das normas que disciplinam a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer Bens ou Direitos – ITCD, nas doações de ações não negociadas em bolsas de valores, quotas ou outros títulos de participação em sociedades comerciais ou civis de objetivos econômicos.

A Nota técnica irá apreciar os impactos da nova redação do artigo 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002, dada pela Lei Complementar Estadual nº 798/2024, sobre o cálculo do ITCD incidente sobre as doações de títulos representativos de participação societária. Após informar quanto à interpretação da legislação tributária pertinente (com destaque para os artigos 9º e 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002), a Nota Técnica irá responder os seguintes quesitos apresentados pela Superintendência de Fiscalização:

1. O ITCD E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

A Constituição Federal atribui aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (artigo 155, inciso I). A Constituição estabelece ainda que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, com destaque para a definição de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos discriminados no texto constitucional (art. 146, inciso III, alínea “a”).

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a competência reconhecida aos Estados e ao Distrito Federal era a de instituir impostos sobre a “transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza e acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de imóveis” (art. 24, inciso I, da Constituição Federal de 1967). Assim, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, os Estados e o Distrato Federal tinham competência para instituir imposto sobre a transmissão de bens imóveis, a título oneroso ou gratuito, mas não sobre a transmissão de bens móveis.

O Código Tributário Nacional, aprovado pela Lei Federal nº 5.172/1966, regulamentou o “Impôsto sôbre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a êles Relativos” por meio dos artigos 35 a 42. Esses dispositivos alcançam a transmissão dos bens imóveis, a qualquer título, mas não a transmissão gratuita ou causa mortis de bens móveis, em atenção ao regime constitucional anterior.

Mesmo após quase 40 anos da publicação da Constituição Federal de 1988, o Congresso Nacional ainda não editou a lei complementar prevista no art. 146, inciso III, que regulamentasse o “novo” Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer Bens ou Direitos – ITCD1 .

Diante da omissão do legislador, o panorama normativo do ITCD é o seguinte: em relação à transmissão causa mortis e doação de bens imóveis, aplicam-se os artigos 35, 38, 39, 41 e 42 do Código Tributário Nacional, recepcionados pelo atual regime constitucional. Tais dispositivos estabelecem normas gerais sobre o tributo, restando aos estados competência para legislar sobre aspectos específicos da exação, sempre em conformidade com a regulamentação nacional. A esse respeito, escreve Fabio Lemes Cury:
Em relação à transmissão causa mortis e doação de bens móveis, não há lei complementar nacional que cuide da questão. Assim, cabe aos entes federados que detém a competência tributária exercer a competência legislativa plena (sem se desviar das diretrizes constitucionais), até que sobrevenha lei complementar nacional que estabeleça normas gerais relativas ao imposto sobre transmissões causa mortis ou doações de bens móveis, nos termos dos artigos 146, inciso III, alínea “a”, e 24, §3º, da Constituição Federal. Para Fabio Lemes Cury:
Em atenção às razões apresentadas, o disposto no artigo 38 do Código Tributário Nacional não se aplica às transmissões causa mortis ou doações de ações, quotas ou outros títulos de participação em sociedades comerciais ou civis de objetivos econômicos, que são considerados bens móveis. Até que sobrevenha a lei complementar nacional de que trata o art. 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, a base de cálculo do ITCD sobre essas transferências é dada pela legislação dos entes federados titulares da competência tributária (Estados e Distrito Federal).

No âmbito do Estado de Mato Grosso, a base de cálculo do ITCD incidente sobre as transmissões causa mortis ou doações de bens móveis é dada pelos artigos 9º a 18-A da Lei Estadual nº 7.850/2002, e regulamentada, no âmbito infralegal, pelos artigos 11 a 24 do Decreto Estadual nº 2.125/2003, que aprovou o Regimento do ITCD.
2. A BASE DE CÁLCULO DO ITCD E A ESTRUTURA DO CAPÍTULO VI DA LEI ESTADUAL Nº 7.850/2002.

No âmbito do Estado de Mato Grosso, a base de cálculo do ITCD incidente sobre as transmissões causa mortis ou doações de bens móveis encontra-se disciplinada nos artigos 9º a 18-A da Lei Estadual nº 7.850/2002.

Vejam-se os dispositivos pertinentes:
CAPÍTULO VI

DA BASE DE CÁLCULO

Art. 9º A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito, ou o valor do título ou crédito, transmitido ou doado.
Parágrafo único. Entende-se por valor venal o valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão pela sucessão ou doação.
Art. 10 Nos casos abaixo especificados, observado o disposto no artigo anterior, a base de cálculo é:
I - na doação da nua propriedade, na instituição e na extinção de usufruto, uso e habitação, 70% (setenta por cento) do valor do bem;
II - na instituição de fideicomisso, o valor do bem ou direito;
III - na herança ou legado, o valor aceito pela Fazenda Pública ou fixado judicial ou administrativamente.
Art. 11 O valor do bem ou direito, base para o cálculo do imposto, nos casos em que este é pago antes da transmissão, é o da data em que for efetuado o pagamento.
Art. 12 Nas transmissões causa mortis, quando o inventário obedecer ao rito convencional, e nas demais transmissões não onerosas sujeitas a processos judiciais, a base de cálculo será o valor do bem ou direito, constante da avaliação judicial.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica quando houver expressa concordância da Fazenda Pública estadual com o valor atribuído ao bem pelo inventariante ou testamenteiro, ou dos herdeiros e/ou legatários com o valor proposto pela Fazenda, desde que, em qualquer dos casos, seja o mesmo homologado pelo Juiz competente.
Art. 13 Ainda nas transmissões causa mortis, quando o inventário e a partilha obedecerem ao rito sumário, e nas doações de bens e direitos, sempre que a autoridade fazendária não concordar com o valor atribuído pelos herdeiros, legatários ou donatários, o imposto será lançado mediante arbitramento da base de cálculo, notificando-se o contribuinte para que promova o respectivo recolhimento, no prazo legal.
§ 1º O regulamento disporá sobre a forma de reclamação do valor arbitrado, quando houver discordância do contribuinte.
§ 2º Fica assegurado ao interessado o direito de requerer avaliação judicial, incumbindo-lhe, nesse caso, o pagamento das despesas.
Art. 14 Na hipótese de sobrepartilha, o imposto devido na transmissão causa mortis será recalculado para considerar o acréscimo patrimonial de cada quinhão.
Art. 15 Em qualquer das hipóteses previstas nos arts. 11 a 14, o valor da base de cálculo, em se tratando de imóvel ou direito a ele relativo, não será inferior:
I - quando urbano, ao valor fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana - IPTU;
II - quando rural, ao valor total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR.
Art. 16 No caso de valores mobiliários, ativos financeiros e outros bens negociados em bolsa, considera-se valor venal o da cotação média publicada na data do fato gerador.
Art. 17 No caso de ações não negociadas em bolsas, quotas ou outros títulos de participação em sociedades comerciais ou civis de objetivos econômicos, o valor patrimonial da ação será obtido do balanço patrimonial e da respectiva declaração do imposto de renda da pessoa jurídica entregue à Secretaria da Receita Federal, relativos ao período de apuração mais próximo na data de transmissão, facultado ao Fisco efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações considerando o valor contábil. (Nova redação dada pela LC 798/24 cujo veto foi rejeitado pela Assembleia Legislativa do Estado de MT)
Parágrafo único. A previsão contida no caput aplica-se as sociedades controladas ou subsidiárias, hipótese em que, para fins de incidência do ITCMD, deverá ser somado na base de cálculo o valor do patrimônio contábil, sendo exclusivamente nestas hipóteses facultado ao fisco o levantamento de bens, direitos e obrigações considerando o valor contábil.
Art. 18 Fica a Secretaria de Estado de Fazenda autorizada a divulgar lista de preços mínimos para efeitos de base de cálculo do ITCD.
Art. 18-A Caso a SEFAZ/MT ultrapasse 30 (trinta) dias para apresentar sua avaliação, poderá o contribuinte efetuar o recolhimento do ITCD mediante guia emitida pela SEFAZ/MT, tendo por parâmetro: (Acrescentado pela Lei 10.852/19)
I - no caso de imóvel rural, o valor previsto no ITR, nos termos do art. 15, II, desta Lei;
II - no caso de imóvel urbano, o valor previsto no IPTU;
III - no caso de veículos automotores, o valor previsto no IPVA;
IV - no caso dos semoventes, os valores previstos nas listas de preços mínimos divulgados através de Portarias da SEFAZ/MT;
V - nos demais casos, o valor indicado pelo contribuinte.
§ 1º Caso o valor, quando arbitrado pela SEFAZ/MT, seja maior que o adotado como base de cálculo, a diferença do imposto será paga mediante emissão de guia complementar, sem nenhuma correção. (Acrescentado pela Lei 10.852/19)
§ 2º Caso o valor, quando arbitrado pela SEFAZ/MT, seja menor que o adotado como base de cálculo, o imposto pago a maior deverá ser restituído ao contribuinte. (Acrescentado pela Lei 10.852/19)
§ 3º Caso o contribuinte não concorde com o valor arbitrado pela SEFAZ/MT, poderá recorrer via administrativa, nos termos do § 1º do art. 13 desta Lei, e, não satisfeito, poderá também recorrer a via judicial. (Acrescentado pela Lei 10.852/19)

A estrutura normativa do Capitulo VI (“DA BASE DE CÁLCULO”) da Lei Estadual nº 7.850/2002 é a seguinte: o artigo 9º, que inicia o capítulo, estabelece que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido ou doado; o parágrafo único do artigo 9º, por sua vez, estabelece que o valor venal é o valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão pela sucessão ou doação.

Os artigos seguintes (artigos 10 a 18-A) cuidam de traçar os critérios de apuração, de caráter instrumental, do valor venal (valor corrente de mercado) das diversas espécies de bens e direitos, considerando as peculiaridades de cada grupo. Assim, por exemplo, o art. 10 enuncia que o valor venal da instituição de usufruto corresponde a 70% do valor de mercado do bem gravado. Com o mesmo propósito, o art. 12 estabelece que, nas transmissões onerosas processadas judicialmente, a base de cálculo do imposto é aquela constante da avaliação judicial. E assim prossegue a Lei nº 7.850/2002, especificando critérios instrumentais de apuração do valor venal de certas categorias específicas de bens e direitos: artigo 13, transmissões causa mortis processadas pelo rito sumário e doações com discordância pela Fazenda Pública do valor atribuído pelos contribuintes; artigo 14, sobrepartilha; art. 16, valores mobiliários negociados em bolsa; art. 17, títulos representativos de participação societária não negociados em bolsa).

Todos esses artigos trazem critérios de apuração, de caráter instrumental, para que se encontre o valor venal (valor de mercado) dos bens e direitos doados. Esse modo de apuração do elemento quantitativo do fato imponível, quando realizado em concreto, está de acordo com o critério quantitativo, previsto em abstrato, da regra matriz de incidência do ITCD previsto na Constituição Federal de 1988.

Com efeito, estabelece a Constituição que, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (art. 145, §1º).

Dois princípios fundamentais decorrem desse dispositivo: (i) o princípio da capacidade contributiva, que estabelece (entre outras diretrizes) que a gradação dos impostos tome em consideração a riqueza manifestada pelo contribuinte no momento de realização do fato imponível; (ii) o princípio da praticabilidade fiscal, que franqueia à Administração Tributária certas ferramentas para que a atividade de tributação seja a mais eficiente, simples e justa possível.

A doutrina destaca que o princípio da capacidade contributiva tem uma conotação objetiva, que diz respeito à aptidão genérica do contribuinte para contribuir com as finanças públicas, e uma subjetiva, que prescreve a adoção de critérios capazes de determinar a carga tributária concreta em cada caso5 . Para Paulo de Barros Carvalho6 , a lei tributária deve não apenas eleger fatos de conteúdo econômico como imponíveis pela tributação, satisfazendo ao princípio da capacidade contributiva absoluta, mas deve também prever instrumentos específicos capazes de identificar, em cada caso concreto, a capacidade contributiva relativa do contribuinte, manifestada no fato imponível.

É essa a tarefa que a Lei nº 7.850/2002 objetiva executar com os artigos 9º a 18-A: o artigo 9º e seu parágrafo único definem a base econômica da tributação de forma ampla (valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão), e os dispositivos subsequentes definem critérios de apuração e franqueiam instrumentos jurídicos à Administração Tributária para que se identifique a riqueza manifestada nos casos concretos, realizando o princípio da capacidade contributiva.

Já o princípio da praticabilidade fiscal é realizado no âmbito legal pelos dispositivos que franqueiam à Administração Tributária o poder/dever de efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações do contribuinte (ex.: art. 17 da Lei nº 7.850/2002) e arbitrar a base de cálculo do imposto (art. 13 da Lei nº 7.850/2002 e art. 148 do Código Tributário Nacional) sempre que o valor informado pelo contribuinte destoar da base imponível definida na lei: o valor venal do bem ou direito transferido. Trata-se de competência definida pela lei que busca promover uma tributação eficiente, simples e justa.

Essa exposição é fundamental para esclarecer que todos os critérios de apuração previstos nos artigos 10 a 18-A da Lei nº 7.850/2002 tem o mesmo propósito: identificar o valor venal do bem ou direito transmitido (art. 9º, caput), isto é, seu valor corrente de mercado na data da transmissão causa mortis ou doação (art. 9º, parágrafo único). Como se viu, o artigo 9º da Lei Estadual nº 7.850/2002 define o valor venal dos bens ou direitos transferidos como a base de cálculo do ITCD, enquanto os dispositivos seguintes estabelecem critérios de apuração do valor venal para diferentes grupos de bens e direitos.

Não poderia ser outro o modelo adotado pelo legislador. De modo geral, os tributos que incidem sobre a transmissão7 ou a propriedade de bens ou direitos tem cálculo baseado no valor venal do bem ou direito (valor de mercado corrente na data de realização do fato imponível). Assim ocorre com o Imposto sobre a Importação (CTN, art. 20, inciso II), com o Imposto sobre a Exportação (CTN, art. 24, inciso II), com o IPTU (CTN, art. 33), com o ITBI (CTN, art. 38), com o IPI (CTN, art. 47, inciso I, e inciso II, alínea “b”) e com o ICMS (Lei Complementar nº 87/1996, art. 15, inciso I).

A adoção do valor venal do bem como base de cálculo dos tributos que incidem sobre a aquisição, manutenção e circulação da propriedade não é produto do acaso. Há uma razão constitucional para essa escolha: em uma economia de mercado, marcada pela livre iniciativa econômica e livre concorrência8, o valor venal do bem, correspondente a seu valor de mercado na data da ocorrência do fato imponível, corresponde justamente à riqueza manifestada pelo contribuinte em um dado momento eleito como relevante pela regra-matriz de incidência do tributo. Desse modo, trata-se de opção que realiza os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia.

Assim, observa-se que, ao tomar o valor venal como base de cálculo dos principais tributos do país, o sistema tributário nacional opera com unidade lógica, mantendo em coerência seus principais elementos (coerência entre tributos e coerência no interior de cada tributo). Com isso, o sistema realiza o princípio da capacidade contributiva (tributa-se na medida da riqueza manifestada pelo contribuinte), da isonomia (tributam-se manifestações iguais de riqueza igualmente, e manifestações de riqueza distintas diferentemente) e da neutralidade fiscal (tributa-se de maneira a influenciar no menor grau possível as decisões econômicas do contribuinte).

Particularmente quanto ao princípio da isonomia tributária, essa unidade lógica do sistema tributário nacional e, especificamente, da Lei Estadual nº 7.850/2002, assegura que manifestações de riqueza congêneres tenham a mesma base tributável. Eventuais diferenças de regramento legal exigiriam (i) a existência de uma distinção entre duas ou mais situações comparadas, identificada a partir de um certo fator de diferenciação ou medida de comparação; (ii) a correlação lógica entre esse fator de diferenciação e a disparidade entre os regimes estabelecidos pelo direito; e (iii) a conformidade dessa correlação lógica com os princípios e regras positivados na ordem constitucional.9 Ausentes esses elementos, impõe-se que manifestações de riqueza congêneres sejam tratadas de forma semelhante pelo direito.

Exemplo de incidência do princípio da isonomia pertinente ao objeto deste estudo se encontra nos artigos 16 e 17 da Lei nº 7.850/2002. O art. 16 estabelece que, no caso de valores mobiliários negociados em bolsa de valores, considera-se valor venal o da cotação média publicada na data do fato gerador. Trata-se de critério de apuração que revela o valor de mercado do direito transferido, e, consequentemente, o grau de riqueza manifestada. Por sua vez, o art. 17 da mesma lei determina que o valor patrimonial de quota ou ação social não negociada em bolsa de valores seja obtido do balanço patrimonial da entidade.

Nesse caso, o princípio da isonomia tributária e da unidade lógica do direito pressupõe que o valor obtido do balanço patrimonial da entidade represente seu valor de mercado, sob pena de levantamento pela Administração Tributária do valor venal dos bens, direitos e obrigações da entidade na data da realização do fato gerador, como será visto adiante. Na hipótese analisada, notase que o fator de distinção entre as situações, destacado pela lei (negociação ou não dos direitos em mercado organizado de valores mobiliários), não guarda correlação lógica com o reconhecimento de cargas tributárias distintas.

Os princípios citados são normas que determinam a promoção, na maior medida possível, de um determinado estado de coisas, e atuam sobre as regras ora analisadas exercendo três funções que se destacam: função integrativa, função interpretativa e função bloqueadora. Segundo Humberto Ávila10:
Assim, em relação à interpretação das regras das regras do Capítulo VI da Lei nº 7.850/2002 (“DA BASE DE CÁLCULO”), os princípios mencionados11 atuam (i) agregando elementos não mencionados expressamente no texto das regras (função integrativa), (ii) restringindo ou ampliando seu sentido na direção do estado ideal de coisas que objetivam promover (função interpretativa), e (iii) afastando elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com conteúdo do princípio (função bloqueadora).

A compreensão das regras aqui analisadas deve considerar obrigatoriamente sua integração a um sistema maior, marcado pela lógica, unidade e coerência entre seus elementos. Essa breve digressão serve para demonstrar quais devem ser as premissas a partir das quais os dispositivos do Capítulo VI da Lei nº 7.850/2002 (“DA BASE DE CÁLCULO”) devem ser interpretados.
4. A BASE DE CÁLCULO DO ITCD NAS DOAÇÕES DE QUOTAS SOCIAIS E AÇÕES NÃO NEGOCIADAS EM MERCADO ORGANIZADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A base de cálculo do ITCD, instituído pelo Estado de Mato Grosso, incidente sobre as doações de quotas, ações ou outros títulos representativos de participação societária não negociados em mercados organizados de valores mobiliários, pode ser depreendida do estudo dos artigos 9º, 13, 15 e 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002: Sabe-se que a participação no capital social de pessoas jurídicas pode ser transferida por meio da alienação de quotas, no caso de sociedade de pessoas, ou de ações, no caso de sociedades de capital. Nas sociedades de capital, os valores mobiliários representativos de participação no capital social da entidade podem ser negociados em mercados abertos, devidamente regulamentados pelas autoridades competentes (ex.: bolsa de valores, regulamentada pela CVM), ou podem ter sua negociação restrita a acordos privados, estabelecidos fora do mercado organizado de valores mobiliários.

Em ambos os casos, a base de cálculo do ITCD é o valor venal dos direitos transferidos causa mortis ou doados, nos termos do art. 9º da Lei Estadual nº 7.850/2002.

No primeiro caso, é fácil encontrar o valor venal desses direitos, pois os mercados organizados de valores mobiliários precificam em tempo real as ofertas e as demandas dos títulos negociados. Por outro lado, quando esses títulos não são negociados em mercado organizado de valores mobiliários, é preciso estabelecer certos critérios para a apuração de seu valor. Isso não acontece apenas com quotas sociais e ações empresariais não negociadas em bolsa. A título de exemplo, a Lei nº 7.850/2002 (art. 15) também traz critérios para a apuração do valor venal dos bens imóveis, reputando que ele não pode ser inferior ao valor fixado para o lançamento do IPTU, no caso de bens imóveis urbanos, e nem inferior ao valor fixado para o lançamento do ITR, no caso de bens imóveis rurais. Ainda a título de ilustração, a Lei nº 7.850/2002 estabelece que o valor venal do direito real de usufruto será equivalente a 70% do valor do bem gravado. São todos critérios para se apurar o valor venal do bem ou direito doado ou transferido causa mortis quando sua precificação não é evidente.

Assim ocorre com as quotas sociais e ações não negociadas em bolsas de valores. Estabelece a Lei nº 7.850/2002 que, nesse caso, o valor patrimonial das quotas e ações será obtido do balanço patrimonial e da respectiva declaração do IRPJ entregue à Secretaria da Receita Federal do Brasil, e que o fisco pode efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações da entidade considerando o seu valor contábil (art. 17, com redação dada pela Lei Complementar Estadual n° 798/24).
5. OS DIFERENTES MÉTODOS CONTÁBEIS DE MENSURAÇÃO DO PATRIMÔNIO DAS ENTIDADES

Segundo o artigo 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002, o valor das quotas ou ações transferidas, quando não negociadas em mercado organizado de valores mobiliários, será encontrado por meio de critérios próprios da ciência contábil. A contabilidade é uma ciência que registra, classifica e mensura os fatos que afetam o patrimônio das entidades e seu objetivo é ofertar informações confiáveis para a tomada de decisões econômicas. Três técnicas da contabilidade são importantes para o caso analisado: (i) a escrituração, que registra de forma cronológica e sistemática os fatos que alteram o patrimônio da entidade; (ii) a elaboração de demonstrações contábeis, a exemplo do balanço patrimonial (BP) e da demonstração do resultado do exercício (DRE); e (iii) a auditoria, que visa a verificar e validar a escrituração e as demonstrações contábeis a partir de determinado critério.

Todas essas técnicas utilizam critérios qualitativos e quantitativos que variam de acordo com a sua finalidade, ou seja, de acordo com a decisão que pretendem subsidiar. Assim, uma técnica contábil com propósito gerencial usará critérios distintos da mesma técnica contábil direcionada a usuários externos, por exemplo. Mesmo no âmbito da mesma técnica e finalidade contábil, há variados métodos que podem ser utilizados para a mensuração do patrimônio da entidade. Entre os principais métodos da contabilidade para a mensuração de bens, direitos e obrigações, citam-se:
Em alguns casos, as normas elegem um critério preferencial de mensuração, em outras a escolha fica a cargo da entidade, que pode optar por aquele que mais satisfaça suas necessidades de informação (política contábil da entidade).

Isso ocorre, por exemplo, quando a entidade reconhece em seu ativo uma propriedade para investimento. O pronunciamento técnico nº 28 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) estabelece que:
São classificados como propriedade para investimento, por exemplo, os imóveis de uma holding patrimonial mantidos para auferir aluguel ou para valorização do capital. Cuida-se de situação que tem se multiplicado principalmente para fins de administração e sucessão de patrimônio familiar. Acerca da mensuração desses bens, dispõe o pronunciamento técnico nº 28 do CPC:
Depreende-se do trecho transcrito que a entidade pode escolher livremente qual o critério de mensuração para seus imóveis classificados como propriedade para investimento: se a mensuração dos bens for mais relevante para a política contábil da entidade, ela pode escolher o método o valor justo (valor de mercado); por outro lado, se a divulgação dos valores históricos for mais relevante para a entidade, ela pode optar pelo método do custo (preço de aquisição ajustado pela depreciação).

As normas contábeis asseguram a mesma liberdade de escolha para diversos outros bens, direitos e obrigações. É o que ocorre com a possibilidade de reavaliação de item do ativo imobilizado com base no seu valor justo (CPC 27), inicialmente reconhecido pelo seu valor de custo. Outra hipótese interessante é o impacto de avaliações do risco de perdas de crédito realizadas pela entidade sobre o valor de certos instrumentos financeiros. Segundo o pronunciamento técnico nº 48 do CPC, a avaliação da entidade terá impacto direto na mensuração do item e, consequentemente, no patrimônio da entidade. Tudo isso faz com que decisões internas da entidade alterem seu valor contábil de forma “artificial”, sem efetiva correspondência com seu valor econômico ou de mercado. São apenas informações unilateralmente lançadas em formulários, sem paralelo com a riqueza mantida e circulada.

Esses exemplos demonstram que são múltiplos os critérios de mensuração de que a contabilidade se vale para mensurar o patrimônio das entidades, e que esses critérios variam segundo a política contábil da entidade, que considera seus interesses internos e também os de usuários externos das informações contábeis.

O artigo 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002 estabelece que o valor patrimonial de quotas e ações sociais não negociadas em mercado de valores mobiliários seja obtido, para fins de cálculo do ITCD, do balanço patrimonial e faculta à Administração Tributária efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações considerando o valor contábil. As principais conclusões a que se chega ao interpretar a norma são:

(i) O valor patrimonial das ações ou quotas sociais deve ser apurado a partir da equação fundamental da contabilidade: ATIVO = PASSIVO + PATRIMÔNIO LÍQUIDO ou, decompondo seus componentes, BENS + DIREITOS = OBRIGAÇÕES + PATRIMÔNIO LÍQUIDO. Ficam afastados raciocínios que considerem apenas os itens do ativo da entidade. Desse modo, uma entidade com passivo a descoberto (patrimônio líquido negativo) teria valor patrimonial negativo, de maneira que a doação ou transmissão causa mortis de suas quotas ou ações sociais não resultaria em obrigação de pagar ITCD, ainda que a operação envolva a transferência de bens e direitos de alto valor.

(ii) Caso o valor informado pelo contribuinte se afaste do valor venal das quotas ou ações sociais (valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão pela sucessão ou doação - nos termos do art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 7.850/2002), compete ao Fisco efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações da entidade, a partir de critério contábil, visando a encontrar o valor venal dos direitos transferidos ou doados. A previsão de apuração, pela Administração Tributária, de valor ou preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos foi prevista pelo legislador complementar no art. 148 do Código Tributário Nacional12.
6. O MÉTODO DO VALOR JUSTO COMO CRITÉRIO CONTÁBIL MAIS ADEQUADO PARA A APURAÇÃO DO VALOR VENAL DO PATRIMÔNIO DA ENTIDADE

O artigo 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002 não especifica qual critério contábil deve ser utilizado para a mensuração dos direitos doados ou transferidos causa mortis para fins de cálculo do ITCD. Apenas determina que o valor seja obtido do balanço patrimonial e autoriza que o fisco proceda ao cálculo do valor das ações ou quotas mediante levantamento de bens, direitos e obrigações, considerando o valor contábil do patrimônio.

Primeiro deve se destacar que as escolhas feitas pela entidade em sua escrituração e em suas demonstrações contábeis (atos unilaterais de caráter privado) só são oponíveis ao fisco caso retratem razoavelmente o valor venal de seu patrimônio líquido, e, consequentemente, de suas ações ou quotas sociais. Alguns exemplos permitem enxergar melhor a ilegitimidade de qualquer interpretação que tome como absolutas as informações produzidas pela entidade.

Imagine-se uma pessoa natural que tenha adquirido no ano de 1994 um imóvel pelo valor de R$ 1.000.000,00. Em 2015, essa pessoa decide integralizar o capital social de uma holding mediante transferência desse imóvel, e opta, conforme autorização dada pelo art. 23 da Lei Federal nº 9.249/199513 , por considerar o valor do imóvel que consta de sua declaração de bens (valor histórico) como valor integralizado. Essa holding então opta por mensurar esse mesmo imóvel pelo método de custo, valendo-se da faculdade reconhecida pelo pronunciamento técnico nº 28 do CPC (propriedades para investimento)14. Anos depois, ao final de 2024, aquela mesma pessoa natural, sócia da holding, decide doar 100% das quotas da entidade para um terceiro. Nesse caso, o ITCD devido pelo donatário seria de aproximadamente R$ 80.000,0015 .

Agora imagine-se que essa mesma pessoa tivesse considerado o valor de mercado do imóvel (aproximadamente R$ 5.749.268,00, com base no IGP-M do período) no momento da integralização do capital social da holding, e que essa holding tivesse optado pelo método do valor justo para mensuração do imóvel. No momento da doação das quotas, ao final de 2024, o seu valor contábil seria de aproximadamente R$ 10.731.654,00, e o ITCD devido de aproximadamente R$ 858.532,32.

Note-se que as situações são idênticas: uma mesma pessoa adquire um mesmo imóvel, pelo mesmo valor, e, anos depois, o utiliza para integralizar o capital social de uma holding patrimonial. Mais alguns anos depois, essa pessoa, agora sócia da entidade, doa as quotas sociais para um terceiro. A única diferença entre as situações comparadas são informações lançadas em papeis e formulários com critérios diferentes, cujo objetivo nunca foi mensurar a riqueza em circulação, mas apenas o de informar certos usuários a partir de interesses definidos pela própria entidade (política contábil privada). Na hipótese pensada, a mera utilização de critérios distintos no preenchimento de certos formulários resultou em uma variação superior a 1000% na carga tributária incidente sobre os mesmos fatos.

A tributação é matéria posta sob reserva de lei formal e está subordinada à ordem constitucional. Decisões particulares, muitas vezes baseadas em atos normativos de entidades privadas (ex.: pronunciamentos técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, entidade privada), não têm força para, diante de uma mesma realidade econômica, alterar arbitrariamente os elementos da relação jurídico-tributária, constituindo-a à margem dos princípios e regras que informam o sistema tributário nacional, com destaque para os princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da isonomia tributária.

Desse modo, informações produzidas de forma unilateral e em atenção aos interesses privados da entidade devem ser tomadas com parcimônia na definição da base imponível de tributos. Caso as informações produzidas pela entidade representem o valor patrimonial de suas ações ou quotas sociais na data do fato gerador, poderão servir como fundamento da base de cálculo do tributo. Por outro lado, caso as informações não guardem correspondência com o valor patrimonial dos bens, direitos e obrigações da entidade, caberá à Administração Tributária apurar, mediante critério contábil válido, seu valor venal na data da realização do fato gerador.

Em segundo lugar, destaca-se que o levantamento de bens, direitos e obrigações realizado pelo fisco (nos termos da parte final do artigo 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002 e do art. 148 do Código Tributário Nacional) deve ser realizado mediante procedimento de auditoria contábil e financeira, com aplicação de procedimentos contábeis destinados a testar os itens e os saldos das contas, a fim de verificar se as informações produzidas pela entidade traduzem efetivamente sua posição patrimonial na data do fato gerador.

Os testes objetivam verificar não só eventual existência de itens ocultos ou fictícios, mas também apurar se a mensuração dos itens reconhecidos pela entidade (bens, direitos e obrigações) reflete seu valor venal na data de ocorrência do fato gerador (“entende-se por valor venal o valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão pela sucessão ou doação” – art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 7.850/2002).

Nesse caso, os testes de mensuração (valuation tests) devem adotar critério contábil legítimo que resulte na melhor identificação do valor venal dos bens, direitos e obrigações da entidade no momento da doação ou transmissão causa mortis. Entre os critérios definidos pelas normas técnicas contábeis, há um critério contábil baseado em informações de mercado (em conformidade com o disposto no art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 7.850/2002) e não em uma mensuração específica da entidade. Trata-se do método de “mensuração do valor justo” do patrimônio, disciplinado pelo pronunciamento técnico nº 46 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis.

Alguns excertos do pronunciamento permitem conhecer os conceitos principais da metodologia:

A mensuração do valor justo (fair value) é um método de mensuração patrimonial que se propõe a identificar o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração. Como se vê, trata-se de método que guarda perfeita pertinência com a base imponível do ITCD (valor venal do bem ou direito, correspondente ao seu valor corrente de mercado na data da transmissão pela sucessão ou doação).

A adoção do método garante ainda que a mensuração seja feita com base em técnicas contábeis legítimas16, passíveis de controle e de impugnação, afastando-se de arbitramentos ou de decisões privadas desobrigadas à motivação.

A busca do valor de mercado de ações ou quotas de sociedades empresariais, por meio da mensuração do valor justo, foi acolhida pelo Projeto de Lei Complementar nº 108/202417 como técnica adequada para a mensuração da base imponível do ITCD. Estabelece o PLP:
Segundo o PLP, para quotas ou ações não negociadas em mercados organizados de valores mobiliários, a base imponível do ITCD deve ser encontrada a partir de metodologia tecnicamente idônea, devendo corresponder, no mínimo, ao PL ajustado pela avaliação de ativos e passivos a valor de mercado. A disposição coincide com a interpretação da parte final do artigo 17 da Lei nº 7.850/2002 (levantamento pela Administração Tributária dos bens, direitos e obrigações da entidade segundo critério contábil adequado). A diferença é que o PLP determina que o montante encontrado seja ainda acrescido do valor de mercado do fundo de comércio (em regra, item do ativo intangível que não deve ser reconhecido na escrituração da entidade), questão que não foi expressamente tratada pelo dispositivo estadual.

Além de estar em conformidade com a regulamentação futura esperada do ITCD, a busca do valor venal, mediante técnica contábil adequada que apure o preço das ações ou quotas sociais que seria alcançado em uma negociação livre (valor de mercado), é adotada pelos tribunais nacionais como ferramenta adequada para apuração da base de cálculo do ITCD.
Por todo o exposto, passa-se à resposta aos quesitos formulados pela Superintendência de Fiscalização. Considerando as relações de prejudicialidade existentes entre os quesitos, as respostas serão apresentadas em texto único:
O disposto no artigo 38 do Código Tributário Nacional não se aplica às transmissões causa mortis ou doações de ações, quotas ou outros títulos de participação em sociedades comerciais ou civis de objetivos econômicos, que são considerados bens móveis. Até que sobrevenha a lei complementar nacional de que trata o art. 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, a base de cálculo do ITCD sobre essas transferências é estabelecida pela legislação dos entes federados titulares da competência tributária (Estados e Distrito Federal).

No âmbito do Estado de Mato Grosso, a base de cálculo do ITCD incidente sobre as transmissões causa mortis ou doações de bens móveis encontra-se disciplinada pelos artigos 9º a 18-A da Lei Estadual nº 7.850/2002, e regulamentada, no âmbito infralegal, pelos artigos 11 a 24 do Decreto Estadual nº 2.125/2003, que aprovou o Regulamento do ITCD.

O art. 9º estabelece que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito, ou o valor do título ou crédito, transmitido ou doado, e que se considera valor venal o valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão pela sucessão ou doação. A adoção do valor venal do bem como base de cálculo dos tributos que incidem sobre a aquisição, manutenção e circulação da propriedade não é produto do acaso. Há uma razão constitucional para essa escolha: em uma economia de mercado, o valor venal do bem, correspondente a seu valor de mercado na data da ocorrência do fato imponível, corresponde justamente à riqueza manifestada pelo contribuinte em um dado momento eleito como relevante pela regra-matriz de incidência do tributo. Tratase de operação, portanto, que realiza, no âmbito legal, os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia.

O art. 17, por sua vez, é um dos dispositivos da Lei nº 7.850/2002 que apresenta critérios de apuração da base de cálculo do ITCD definida anteriormente pelo art. 9º, especificamente para ações ou quota sociais não negociadas em mercado organizado de valores mobiliários. A nova redação do art. 17 da Lei nº 7.850/2002, dada pela Lei Complementar Estadual nº 798/2024, deve ser interpretada à luz da unidade lógica do sistema jurídico, com especial destaque para a eficácia interpretativa, integrativa e bloqueadora dos princípios da capacidade contributiva, da isonomia tributária, da praticabilidade e da neutralidade fiscal.

Segundo o dispositivo legal, o valor patrimonial da ação ou quota social deve ser obtido do balanço patrimonial da entidade. Caso o valor informado pelo contribuinte se afaste do valor venal das quotas ou ações sociais (valor corrente de mercado do bem ou direito na data da transmissão pela sucessão ou doação - nos termos do art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 7.850/2002), compete ao Fisco efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações da entidade, visando encontrar o valor venal dos direitos transferidos ou doados (nos termos da parte final do art. 17 da Lei Estadual nº 7.850/2002 e do art. 148 do Código Tributário Nacional).

Nesse caso, devem ser considerados não apenas bens e direitos, mas também obrigações da entidade, em atenção à equação que orienta o balanço patrimonial da entidade (Patrimônio Líquido = Bens + Direitos – Obrigações). O levantamento de bens, direitos e obrigações realizado pelo fisco (nos termos da parte final do artigo 17 da Lei nº 7.850/2002 e do art. 148 do Código Tributário Nacional) deve ser realizado mediante procedimento de auditoria contábil e financeira, com aplicação de procedimentos contábeis destinados a testar os itens e os saldos das contas, a fim de verificar se as informações produzidas pela entidade traduzem efetivamente sua posição patrimonial na data do fato gerador.

Os testes de mensuração (valuation tests) devem adotar critério contábil legítimo que resulte na melhor identificação do valor venal dos bens, direitos e obrigações da entidade no momento da doação ou transmissão causa mortis. Entre os critérios definidos pelas normas técnicas contábeis, o método do valor justo, disciplinado pelo pronunciamento técnico nº 46 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, é o mais adequado para a apuração do valor venal de bens, direitos e obrigações.

Excepcionalmente, quando, em razão de especificidades do item patrimonial avaliado, o método do valor justo não for o mais adequado para a apuração de seu valor de mercado na data do fato imponível, outros critérios contábeis podem ser utilizados, como o método do valor realizável líquido (específico para estoques, à luz do disposto no pronunciamento técnico nº 16 do CPC). Especificamente quanto à avaliação de bens imóveis ou de direito a ele relativo, deve-se observar ainda o piso estabelecido no artigo 15 da Lei nº 7.850/2002: quando urbano, o valor fixado para o lançamento do IPTU; e quando rural, o valor fixado para o lançamento do ITR.
Notas de Rodapé:

1 Em 30/10/2024 a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que, entre outras providências, dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD. O projeto está pendente de aprovação pelo Senado Federal.
2 CURY, Fabio Lemos. ITCMD: regime geral e o papel da lei complementar. São Paulo: Noeses, 2022, p. 119- 120.
3 Idem, p. 205.
4 Idem, p. 208.
5 “La capacidad contributiva absoluta es la aptitud para concurrir a las cargas públicas. La capacidade contributiva relativa es el critério que há de orientar la determinación de la concreta carga tributaria.” (Fernando Vicente-Arche Domingo, Seminario de Derecho Financiero da la Universidad Complutense, org. Fernando Sainz de Bujanda, Madrid, 1967, apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 8. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 341.)
6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 8. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 343.
7 Especialmente nos casos em que o valor da operação de transmissão do bem ou direito não existe ou não pode ser apurado.
8 Constituição Federal de 1988, art. 1º, inciso IV, e art. 170.
9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 21.
10 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 22. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodvm, 2024, p. 127-129.
11 Princípio da unidade lógica do direito, da capacidade contributiva, da isonomia tributária, da praticabilidade fiscal e da neutralidade fiscal.
12 Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.
13 Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.
14 30. Com as exceções indicadas no item 32A, a entidade deve escolher como sua política contábil o método do valor justo, descrito nos itens 33 a 55, ou o método do custo, descrito no item 56, e deve aplicar essa política a todas as suas propriedades para investimento.
15 Desconsiderando-se centavos e a progressividade das alíquotas para facilitar a visualização do exemplo.
16 Alguns dispositivos do pronunciamento contábil nº 46 do CPC ilustram o caráter científico e objetivo das técnicas de mensuração próprias da metodologia:
“61. A entidade deve utilizar técnicas de avaliação que sejam apropriadas nas circunstâncias e para as quais haja dados suficientes disponíveis para mensurar o valor justo, maximizando o uso de dados observáveis relevantes e minimizando o uso de dados não observáveis.
62. O objetivo de utilizar uma técnica de avaliação é estimar o preço pelo qual uma transação não forçada para a venda do ativo ou para a transferência do passivo ocorreria entre participantes do mercado na data de mensuração nas condições atuais de mercado. Três técnicas de avaliação amplamente utilizadas são (i) abordagem de mercado, (ii) abordagem de custo e (iii) abordagem de receita. Os principais aspectos dessas abordagens são resumidos nos itens B5 a B11. A entidade deve utilizar técnicas de avaliação consistentes com uma ou mais dessas abordagens para mensurar o valor justo.
(...)
69 A entidade deve selecionar informações que sejam consistentes com as características do ativo ou passivo, as quais seriam levadas em conta por participantes do mercado em transação com o ativo ou passivo (vide itens 11 e 12). Em alguns casos, essas características resultam na aplicação de ajuste, tal como prêmio ou desconto (por exemplo, prêmio de controle ou desconto na participação de não controladores). Contudo, a mensuração do valor justo não deve incorporar prêmio ou desconto que seja inconsistente com a unidade de contabilização no Pronunciamento que exija ou permita a mensuração do valor justo (vide itens 13 e 14). Prêmios ou descontos que reflitam o tamanho como uma característica da participação da entidade (especificamente, um fator de venda em bloco que ajuste o preço cotado de ativo ou de passivo porque o volume de negociação diária normal do mercado não é suficiente para absorver a quantidade detida pela entidade, conforme descrito no item 80) e não como característica do ativo ou passivo (por exemplo, um prêmio de controle ao mensurar o valor justo de uma participação majoritária) não são permitidos na mensuração do valor justo. Em todos os casos, se houver preço cotado em mercado ativo (ou seja, informação de Nível 1; vide itens 72 a 90) para um ativo ou passivo, a entidade deve utilizar esse preço sem ajuste ao mensurar o valor justo, salvo conforme especificado no item 79.
(...)
72. Para aumentar a consistência e a comparabilidade nas mensurações do valor justo e nas divulgações correspondentes, este Pronunciamento estabelece uma hierarquia de valor justo que classifica em três níveis (vide itens 76 a 90) as informações (inputs) aplicadas nas técnicas de avaliação utilizadas na mensuração do valor justo. A hierarquia de valor justo dá a mais alta prioridade a preços cotados (não ajustados) em mercados ativos para ativos ou passivos idênticos (informações de Nível 1) e a mais baixa prioridade a dados não observáveis (informações de Nível 3).”
17 Em 30/10/2024 a Câmara dos Deputados aprovou o PLP nº 108/2024, que, entre outras providências, dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD. O projeto está pendente de aprovação pelo Senado Federal.